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Jonasnuts

Jonasnuts

Can you hear the silence?

Jonasnuts, 28.04.23

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Durante muito tempo, muitos, muitos anos, achei que ter a última palavra era fundamental. 

E, por isso, sempre me esforcei, às vezes até demais, para ter a última palavra, ser a última a escrever uma resposta, um comentário, um mail, um tweet, uma frase, o que fosse.

Sempre achei e, na verdade, continuo a achar. Mas. 

Não tendo estado enganada no feitio, andei enganada na forma.

Foram precisos uns anos de terapia, muitas leituras, muita descoberta, tropeçar em conceitos como o da aceitação radical e do grey rock, para compreender o extraordinário poder do silêncio. Caiu-me a ficha. Sim, no silêncio, também pode estar a última palavra.

 

Como em qualquer outra epifania, quando caiu a ficha, tudo ficou mais claro, mais fácil e, sobretudo, mais silencioso. E também mais poderoso. E mais confortável. E mais rápido. 

 

Passei a usar sempre que possível. Vai na volta, fui do oito ao oitenta. Mas a verdade é que é extraordinariamente libertador.

 

Há umas semanas fui emoldurar umas cenas. Enquanto estava ali na escolha das molduras e dos passepartout e demais opções de composição e emolduramento de serigrafias e cenas, senti o meu olhar a ser puxado, olhei para cima. Ali estava ela, emoldurada, exposta,  uma gravura. Estava muito lá para cima. Não se liam os escritos, nem da gravura nem da legenda. Mas as cores, as formas, a composição, atraíram-me de imediato. Fiquei por ali mais um bocado (muita coisa para emoldurar), e sem dar por isso, os meus olhos iam sempre dar à gravura. 

 

Tive de perguntar, claro. De quem é? Quanto custa? Da Marina Anaya (não conhecia). Custa uma pipa (não foi o que me responderam, mas foi o que achei). 

Só depois de muito namorar a gravura é que descortinei, finalmente, o que lá estava escrito. E, se estava indecisa (o facto de custar uma pipa não ajudava à decisão), o nome da gravura dissipou qualquer dúvida. Tinha de ser. Tudo me atraía. As cores, as formas, a composição e, por fim, o nome "Can you hear the silence?".

 

Não quis esperar que ma viessem entregar, veio comigo na hora, apesar de ser enorme e não caber no carro (tive de abrir a capota e veio meio de fora). Pendurei no dia seguinte. Adoro. Fica lindamente, na minha sala. É a gravura que ilustra este post.

 

Can you hear de silence?

Manual do bom manifestante

Jonasnuts, 26.04.23

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Nunca fui de manifs. Tirando aquelas a que fui com os meus pais, durante o prec, nunca fui muito frequentadora. Nem manifs nem comícios. Não sei porquê. Quer dizer.... até sei. Aquela gente toda. A confusão. A sensação de manada. A perceção de que estou a ser manipulada em benefício de alguém que vai guerrear números, mais logo nos telejornais. Sinto-me sempre deslocada. 

 

De vez em quando tento. Até já falei disso aqui (auto-link).

 

A única ocasião em que insisto em contrariar este meu desgosto, é no 25 de Abril. E desço a avenida. Comove-me. descer a avenida. Nem sempre a mesma avenida, que em 2021 estava no Porto com a Joana, mas desci a avenida lá do sítio. A mesma comoção.

 

Isto tudo para esclarecer que não tenho assim muita prática de manifestações, mas, mesmo assim, avanço com um manual do bom manifestante, baseado na minha (pouca, mas investida) experiência.

 

Estas são recomendações que pretendem beneficiar o próprio e os restantes. Amiúde, mais os restantes que o próprio.

 

Tomarás banho antes de ir para a manif

Sim, é importante. Porque vais estar ao livre, sim, mas também vais estar muito próximo do restante maralhal que, não estando constipado, vai sentir mais do que o cheiro a liberdade e alegria, e não queres contaminar o cheirinho a liberdade, com o odor do sovaco mal lavado. Se ainda por cima levas um cartaz, isso significa que vais de braços levantados, portanto...... maior exposição das glândulas sodoríparas, maior capacidade de contaminação. 

 

Não jogarás à apanhada no meio dos manifestantes

Julgar-se-ia esta recomendação prescindível mas, a julgar pela minha experiência de ontem, nem por isso. Sim, se vais a uma manifestação com milhares de pessoas que caminham a um determinado ritmo, necessariamente lento, senão era uma S. Silvestre e no fim havia medalhas, não deves andar a sprintar no meio das pessoas. Primeiro, porque é desagradável e depois porque é inevitável que acabes por empurrar, pisar ou de qualquer outra forma incomodar quem está à tua volta, por mais engraçado que o feito te possa tornar aos olhos dos amigos com quem jogas. Alternativamente, porque uma manifestante mais agastada com a coisa, pode achar boa ideia meter o pé no exato momento em que vais a passar e depois esbardalhas-te todo e é uma maçada. Mas sobretudo, porque incomodas.

 

Leva chapéu, protetor solar e água

Senão para ti, para as crianças que decidiste arrastar para a manif. Depois da primeira meia hora, dependendo da idade dos petizes, naturalmente, a miudagem já só quer é ir-se embora e já está muito farta do ajuntamento, do cheiro (ver primeira recomendação) do facto de não poder jogar à apanhada (ver segunda recomendação), pior será se, em cima disto tudo, ainda apanharem uma insolação e um escaldão. Ontem, por exemplo, fazia uma caloranga desgraçada, estava um sol esplendoroso e fartei-me de ver miudagem sem chapéu. A água, é para não desidratarem. Aplica-se também a cães que, coitados, ficam ainda mais à nora que as crianças (mas mais bem comportados).

 

Não atravesses a rua

A sério, não atravesses a rua, se está a passar uma manifestação. Estares numa passadeira é completamente indiferente (ontem houve uma que se saiu com esse argumento - isto é uma passadeira - coitada). Não atravesses. Mas, se de todo em todo tiveres MESMO de atravessar, é fácil e simples. Junta-te à manif, acompanha a população, andando no mesmo sentido e enquanto andas em frente, deslocas-te LENTAMENTE na direção do sítio para onde pretendes ir. Se não fizeres isto,  pode acontecer-te o mesmo que ao gajo que andava a jogar à apanhada (ver mais acima), um pé mais maroto, e esbardalhas-te. Vai que até entornas a imperial que levas na mão e que te deu tanto trabalho a arranjar. Não vale a pena.

 

Não fumes

O conteúdo do cigarro, para o efeito em apreço, é irrelevante. Mas não fumes. Bem sei que não é ilegal, e que estamos ao ar livre mas, vivemos em sociedade e, afinal de contas, é uma manif, estamos todos uns em cima dos outros, salvo seja, pelo que não consegues evitar que o fumo da merda que que estás a fumar, vá para cima dos outros, que não têm culpa nenhuma que sejas um energúmeno e que não tenhas tido quem te ensinasse, em casa, as regras mais básicas da convivência em sociedade. Fica a dica. Se queres fumar um cigarro, ou um charro, dá igual, abandonas a corrente humana em movimento, páras numa zona mais calma, com menos movimento e com menos gente por m2, fumas o teu cigarro, ou o teu charro, lá está, e depois retomas a coisa. Em última análise, até haverá áreas da corrente humana, onde a acumulação é menos densa e até dá para fumar e andar ao mesmo tempo, mas não é no meio da maralha.

 

Levanta o teu cartaz

Os cartazes são giros. E toda a gente quer levar um. Enfim, muita gente quer levar um. Mas depois do entusiasmo inicial, depois da primeira hora, os braços já acusam o esforço, e já não se levantam tão alto os cartazes da liberdade e da paz e do pão e da habitação e da saúde e da educação. Baixam-se os braços e, consequentemente, os cartazes. O que significa que estes passam a estar ali ao nível da cabeça dos restantes manifestantes. Está-se mesmo a ver, não é? Vais passar dois terços da avenida a bater com a porra do cartaz na cabeça das pessoas que te rodeiam. Não é boa ideia. Leva um cartaz mais leve. Ou treina pesos, antes de pensares em levar um cartaz.

 

Haverá certamente mais dicas, que poderão ser acrescentadas nos comentários, mas estas são um bom ponto de partida, uma boa base de trabalho, ainda frescas da avenida de ontem.

 

Mas não há imbecilidade que me corte a comoção do 25 de Abril. 

 

É sempre muito bom, descer a avenida.

Para o ano há mais porque, 25 de Abril, sempre. Fascismo nunca mais.

 

They dance alone

Jonasnuts, 19.04.23

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Quando passeio com a minha mais velha, cruzo-me com outros passeantes de bichos. Com o tempo, vamos criando algum contacto. Não sei como se chamam o donos, mas sei como se chamam os bichos, como se comportam, de que é que gostam ou não gostam.

 

Também sei da minha bicha, se gosta, se não gosta, se é para mudar de passeio ou se, pelo contrário, quer muito ir ter com aquele que ali vem, mesmo apesar de não ser dada a grandes simpatias com todos, só com aqueles de quem ela gosta.

 

Com o passar do tempo, vamos conhecendo e aprendendo a perceber a que horas é que encontramos quem.

 

É um mapeamento emocional do bairro. Para-se um bocadinho, enquanto eles se cheiram (acho sempre imensa piada aos donos que ficam muito encavacados quando os seus cães cheiram o rabo da minha cadela - pedem imensas desculpas e tentam puxar os bichos - deixe lá o bicho estar à vontade, que eles não têm esses impedimentos).

 

E trocam-se dois dedos de conversa, sempre sobre os bichos, que idade tem, de que é que gosta, a que é que é alérgico, se teve mazelas, se está a recuperar, que está magro (ou gordo), e demais idiossincrasias próprias, que só os donos identificam.

 

Às vezes vejo as pessoas sem bicho, durante o dia, e não as reconheço. "Desculpe - sem a Maré não a reconheci". Verdade seja dita, que ligo mais aos bichos que os donos. 

 

Há duas semanas, no passeio da noite, cruzo-me com o dono do Thor. Um sharpei malhado, adulto, que ao princípio era pouco amigável (mas nunca agressivo) que, à custa de bocadinhos de salmão, se foi tornando mais amistoso :-) O Thor e  a Uma nunca foram de grandes intimidades,  mas também não foram de grandes agressividades. 

 

Estranhei a ausência do bicho e perguntei, então, sem Thor? 

 

"O Thor morreu, de repente, de um momento para o outro, sem que nada o fizesse prever, no dia seguinte àquele em que nos encontrámos e em que brincou com a Uma Lembra-se, que até estranhei a sua ter reagido à presença dele e ter vindo atrás, lamber-lhe as orelhas? Não passou do dia seguinte. Tenho continuado a dar os passeios, porque me ajudam."

 

Foi um murro no estômago. Não era sequer um cão sénior. Era um cão adulto, bem constituído, saudável. Um daqueles azares.

 

Tenho-me cruzado com o dono do Thor quase todas as noites. Custa-me, vê-lo pela metade, de cabeça baixa, a fazer festas a todos os bichos com quem se cruza. Levo a mão ao bolso, para is buscar o salmão, num reflexo condicionado que ainda não me abandonou. 

 

Confronto-me com o meu futuro. Longínquo, espero, mas inevitável. Não farei os nossos passeios sem a minha mais velha. Pode ser que venha a fazer outros. Mas acho que não farei os mesmos.

 

Há caminhos que não se percorrem pela metade.

A arte perdida de fazer piscas

Jonasnuts, 13.04.23

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Não tenho a certeza de que se trate de um problema novo. Não tenho a certeza de que não tenha sido eu a mudar. É possível. Mas o que é facto é que sinto diferença.

Antes, eram só os BMW, claro, que vêm sem piscas de fábrica, já se sabe, faz parte da cultura empírica de quem anda na estrada. Os Mercedes também acima da média, de há uns anos valentes para cá, os Audi a querer pertencer ao clube e ultimamente os Tesla. Com esta gente, já se sabe que a ausência de pisca não significa que não vão mudar de direção, enquanto que, mais raramente - claro, a sua presença não obriga a que ela seja mudada.

Com esta gente, dizia eu, já sabemos com o que contar, isto é, não podemos contar com nada, e isso já é alguma coisa.

Mas reparo agora, de há uns tempos para cá, que mais e mais gente quer fazer parte do clube dos que acham que a estrada é só deles e não têm de prestar contas nem comunicar com o resto dos comuns mortais. 

Não sei se é por praticamente só conduzir mota e, por isso precisar mais de saber e antecipar o que os outros vão fazer, ou se é uma coisa da idade, dou por mim a insultar (apenas mentalmente, claro) os imbecis que não usam pisca. Os e as, que isto parece não discriminar e afeta igualmente portadores de pénis e portadoras de vaginas.

Há multas, para quem não faz pisca? Deve haver, em teoria mas, na prática, suspeito que não. De outra forma a famosa dívida nacional estaria já paga. O estado daria lucro.

Há outros comportamentos na estrada de que me apercebo mais desde que ando de mota, porque tenho mais visibilidade sobre o que fazem os condutores de carro e, creio que darei aqui início a uma série de "artes perdidas", mas hoje foi o pisca. Porque já andava para escrever este post há uns tempos valentes e porque fiz a marginal de Cascais, às 11h30 da manhã e, desde S. Pedro do Estoril até ter virado para a Avenida de Ceuta não vi um único pisca. Um. Para amostra. Nada. Niente. Zero. Null. Só em Alcântara me apareceu o primeiro pisca. Pelo meio, rotundas várias, saídas, entroncamentos, desvios, muitas oportunidades para se usarem as luzes que deveriam assinalar a mudança de direção, e não houve uma alminha que achasse necessário assinalar essa mudança de direção.

Sou só eu a ficar rezinga, ou estamos mesmo a esquecer a arte de fazer piscas?

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