Nunca fui de manifs. Tirando aquelas a que fui com os meus pais, durante o prec, nunca fui muito frequentadora. Nem manifs nem comícios. Não sei porquê. Quer dizer.... até sei. Aquela gente toda. A confusão. A sensação de manada. A perceção de que estou a ser manipulada em benefício de alguém que vai guerrear números, mais logo nos telejornais. Sinto-me sempre deslocada.
De vez em quando tento. Até já falei disso aqui (auto-link).
A única ocasião em que insisto em contrariar este meu desgosto, é no 25 de Abril. E desço a avenida. Comove-me. descer a avenida. Nem sempre a mesma avenida, que em 2021 estava no Porto com a Joana, mas desci a avenida lá do sítio. A mesma comoção.
Isto tudo para esclarecer que não tenho assim muita prática de manifestações, mas, mesmo assim, avanço com um manual do bom manifestante, baseado na minha (pouca, mas investida) experiência.
Estas são recomendações que pretendem beneficiar o próprio e os restantes. Amiúde, mais os restantes que o próprio.
Tomarás banho antes de ir para a manif
Sim, é importante. Porque vais estar ao livre, sim, mas também vais estar muito próximo do restante maralhal que, não estando constipado, vai sentir mais do que o cheiro a liberdade e alegria, e não queres contaminar o cheirinho a liberdade, com o odor do sovaco mal lavado. Se ainda por cima levas um cartaz, isso significa que vais de braços levantados, portanto...... maior exposição das glândulas sodoríparas, maior capacidade de contaminação.
Não jogarás à apanhada no meio dos manifestantes
Julgar-se-ia esta recomendação prescindível mas, a julgar pela minha experiência de ontem, nem por isso. Sim, se vais a uma manifestação com milhares de pessoas que caminham a um determinado ritmo, necessariamente lento, senão era uma S. Silvestre e no fim havia medalhas, não deves andar a sprintar no meio das pessoas. Primeiro, porque é desagradável e depois porque é inevitável que acabes por empurrar, pisar ou de qualquer outra forma incomodar quem está à tua volta, por mais engraçado que o feito te possa tornar aos olhos dos amigos com quem jogas. Alternativamente, porque uma manifestante mais agastada com a coisa, pode achar boa ideia meter o pé no exato momento em que vais a passar e depois esbardalhas-te todo e é uma maçada. Mas sobretudo, porque incomodas.
Leva chapéu, protetor solar e água
Senão para ti, para as crianças que decidiste arrastar para a manif. Depois da primeira meia hora, dependendo da idade dos petizes, naturalmente, a miudagem já só quer é ir-se embora e já está muito farta do ajuntamento, do cheiro (ver primeira recomendação) do facto de não poder jogar à apanhada (ver segunda recomendação), pior será se, em cima disto tudo, ainda apanharem uma insolação e um escaldão. Ontem, por exemplo, fazia uma caloranga desgraçada, estava um sol esplendoroso e fartei-me de ver miudagem sem chapéu. A água, é para não desidratarem. Aplica-se também a cães que, coitados, ficam ainda mais à nora que as crianças (mas mais bem comportados).
Não atravesses a rua
A sério, não atravesses a rua, se está a passar uma manifestação. Estares numa passadeira é completamente indiferente (ontem houve uma que se saiu com esse argumento - isto é uma passadeira - coitada). Não atravesses. Mas, se de todo em todo tiveres MESMO de atravessar, é fácil e simples. Junta-te à manif, acompanha a população, andando no mesmo sentido e enquanto andas em frente, deslocas-te LENTAMENTE na direção do sítio para onde pretendes ir. Se não fizeres isto, pode acontecer-te o mesmo que ao gajo que andava a jogar à apanhada (ver mais acima), um pé mais maroto, e esbardalhas-te. Vai que até entornas a imperial que levas na mão e que te deu tanto trabalho a arranjar. Não vale a pena.
Não fumes
O conteúdo do cigarro, para o efeito em apreço, é irrelevante. Mas não fumes. Bem sei que não é ilegal, e que estamos ao ar livre mas, vivemos em sociedade e, afinal de contas, é uma manif, estamos todos uns em cima dos outros, salvo seja, pelo que não consegues evitar que o fumo da merda que que estás a fumar, vá para cima dos outros, que não têm culpa nenhuma que sejas um energúmeno e que não tenhas tido quem te ensinasse, em casa, as regras mais básicas da convivência em sociedade. Fica a dica. Se queres fumar um cigarro, ou um charro, dá igual, abandonas a corrente humana em movimento, páras numa zona mais calma, com menos movimento e com menos gente por m2, fumas o teu cigarro, ou o teu charro, lá está, e depois retomas a coisa. Em última análise, até haverá áreas da corrente humana, onde a acumulação é menos densa e até dá para fumar e andar ao mesmo tempo, mas não é no meio da maralha.
Levanta o teu cartaz
Os cartazes são giros. E toda a gente quer levar um. Enfim, muita gente quer levar um. Mas depois do entusiasmo inicial, depois da primeira hora, os braços já acusam o esforço, e já não se levantam tão alto os cartazes da liberdade e da paz e do pão e da habitação e da saúde e da educação. Baixam-se os braços e, consequentemente, os cartazes. O que significa que estes passam a estar ali ao nível da cabeça dos restantes manifestantes. Está-se mesmo a ver, não é? Vais passar dois terços da avenida a bater com a porra do cartaz na cabeça das pessoas que te rodeiam. Não é boa ideia. Leva um cartaz mais leve. Ou treina pesos, antes de pensares em levar um cartaz.
Haverá certamente mais dicas, que poderão ser acrescentadas nos comentários, mas estas são um bom ponto de partida, uma boa base de trabalho, ainda frescas da avenida de ontem.
Mas não há imbecilidade que me corte a comoção do 25 de Abril.
É sempre muito bom, descer a avenida.
Para o ano há mais porque, 25 de Abril, sempre. Fascismo nunca mais.