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Jonasnuts

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Voto eletrónico? Não, obrigada.

Jonasnuts, 26.06.24

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Na sequência da desmaterialização dos cadernos eleitorais nas últimas eleições europeias (escrevi sobre isso aqui, aqui, e aqui - tudo auto-links), e como seria de esperar, ouviram-se algumas vozes falar em voto eletrónico.

 

Na altura pensei em escrever um post a explicar porque é que, sendo a favor da desmaterialização dos cadernos eleitorais (melhorando o processo e tornando-o mais seguro e menos vulnerável), sou VIOLENTAMENTE contra o voto eletrónico.

Reparem, voto eletrónico nem sequer diz respeito ao voto pela internet, a partir do dispositivo de cada um, voto eletrónico é a ausência de papel, e o registo exclusivamente digital do voto dos cidadãos.

De acordo com a constituição portuguesa, "O povo exerce o poder político através do sufrágio universal, igual, direto, secreto,......."

Portanto, esta coisa de ter de ser secreto, universal e igual, arruma logo com o voto por internet.

 

Vamos ao voto eletrónico. Aquele em que as pessoas se deslocam à assembleia de voto e têm, em vez de caneta e papel, uma maquineta, onde registam o seu voto.

 

O atual sistema de voto, existe há milhares de anos. O primeiro registo é da Grécia antiga. Não era universal, não era igual, mas era secreto. As pessoas registavam fisicamente a sua intenção, fosse numa folha, num bocado de argila ou, como atualmente, num papel. Há uma manifestação física do voto de cada pessoa. Ora, um sistema que existe há milhares de anos, e que tem vindo a evoluir ao longo do tempo, tem a enorme vantagem de já ter sido testado milhões de vezes. E já muita gente terá pensado e tentado furar o esquema. Já foram tentados todos os tipos de fraude. E o sistema evoluiu, para mitigar essas fraudes. E já se percebeu há muito tempo, que para haver impacto, a sério, no atual sistema, é preciso que haja muita, muita gente envolvida e, como sabemos, o único segredo que se consegue guardar é aquele que não partilhamos com ninguém. Muita gente a saber de uma fraude, porque vai participar nela, ou porque o tio, ou a namorada, ou whatever, significa que a coisa não tem pernas para andar, porque rapidamente se identifica a tentativa de fraude.

Não estou a falar do presidente da junta que, de cabeça perdida porque o seu partido está em clara desvantagem nas sondagens, decide meter meia dúzia de votos na urna. Isso não tem impacto (além de que precisa da cumplicidade duma série de gente). Essas são fraudes locais, com nenhum impacto no resultado final e que, mesmo assim, vêm a lume e são investigadas.

 

Fraude a sério, com capacidade para virar o resultado de umas eleições, com o atual sistema, é impossível.

O que é bom.

Outra vantagem do atual sistema é o facto de ser simples, compreensível e acessível a todas as pessoas, independentemente do seu background, grau de instrução, cultura ou conhecimento. Toda a gente percebe como funciona e qualquer palerma, mesmo com pouco recursos intelectuais, consegue auditar o processo, ou perceber se existe algum problema.

Convém também que o processo seja seguro, e que essa segurança seja percetível e palpável por todos. A confiança no sistema de voto é fundamental. Não é à toa que os partidos anti democráticos clamem por fraude por dá cá aquela palha (sem link que não dou palco a porcos). O atual sistema é seguro e inspira confiança, precisamente porque toda a gente percebe como funciona.

Policiamento e auditoria. Num processo em que confiamos, é preciso desconfiar de tudo, por isso é que o voto é secreto, para não ser manipulável de fora, sujeito a pressões e subornos. É a pessoa, sozinha, numa cabine de voto, com uma caneta, vota, dobra o boletim e insere na urna, que está sempre vigiada por várias pessoas diferentes e de diferentes cores políticas. Este processo é fácil de auditar, e policiamo-nos todos uns aos outros. E bem. Este policiamento de todos por todos acontece também no momento da contagem e da elaboração da ata.

(Há países onde o suborno funciona especialmente bem, como em Itália, onde existe quem pague por voto num determinado partido, mediante fotografia do boletim de voto devidamente assinalado, o que, como sabemos não serve de nada, porque as pessoas podem perfeitamente tirar a foto, anular o voto e pedir outro boletim. Já se o fazem, são outros quinhentos).

E há também o Bulgarian Train. Mas, lá está, a coisa acaba por se saber, além de que é preciso ter MUITO dinheiro.

Portanto, atual sistema, funciona, inspira confiança, manipulado com muita dificuldade, seguro, simples e funciona.

 

Vamos então ao voto eletrónico, e a minha pergunta começa por ser, para quê? Se temos um sistema que funciona, que é simples, seguro e de confiança, vamos substituí-lo porquê? Se não existe um problema para resolver, porquê mudar?

As respostas que obtenho, habitualmente, são duas. As questões ambientais, por causa do papel, e as questões da rapidez na obtenção do resultado. Sou sensível à primeira, de facto. Gostava que se gastasse menos papel. Mas, antes de tentarmos eliminar os boletins de voto por motivos ambientais, temos muito que fazer nessa área, portanto, chutemos essa questão lá mais para a frente.

Já quanto à segunda, o tempo de espera pelos resultados, até consigo compreender quando se trata de países gigantes, quase continentais. Se umas eleições em Portugal são um evento com uma logística desafiante, num país grande, a coisa é muitíssimo mais exigente e complexa. Mas em Portugal? Somos meia dúzia de gatos pingados, ainda por cima votamos cada vez menos, os resultados sabem-se no mesmo dia, o mais tardar no dia seguinte. Lá está, mais um problema que não precisa de ser resolvido.

Mas a minha objeção não passa pelo facto do atual sistema não precisar de ser mudado, nem apresentar nenhum problema que precise de ser resolvido.

 

O meu problema tem a ver com tudo o resto.

A começar pelo equipamento e respetivo software (idealmente software livre, que sempre é mais auditável, mas na maioria dos casos, software proprietário, em que a quantidade de gente que consegue auditar se resume e meia dúzia de pessoas). Quem assegura que não está vulnerável e comprometido? Não é qualquer pessoa, ao contrário do método atual, é preciso competências técnicas que estão muito longe do cidadão comum. Portanto, passamos de um esquema em que a auditoria é global, simples e acessível a qualquer pessoa, para um sistema em que a auditoria está ao alcance de apenas alguns. É logo um mau ponto de partida. Logicamente, mina a confiança.

E, mesmo que não estejam vulneráveis nem comprometidos hoje, o que é que me garante que não venham a estar amanhã, depois de uma atualização disto, ou daquilo?

A segurança dos equipamentos e das estruturas é uma ilusão. Qualquer pessoa que trabalhe na área da segurança informática, confirma isto. Há sistemas mais protegidos, há sistemas menos protegidos, mas não há sistemas invioláveis ou seguros a 100%. É o jogo do gato e do rato. Uns protegem, outros tentam furar. E os que protegem vão criando mais proteções, à medida que se vão identificando novas vulnerabilidades. E os que furam, vão continuando a tentar furar. É assim que funciona e é uma indústria de trilhões de euros (ou dólares, como preferirem).

A logística que o voto em papel apresenta a quem quer cometer uma fraude, é diametralmente oposta à logística de quem quer cometer fraude com voto digital. Se em papel precisamos de muita gente para causar, mesmo assim, pouco impacto e acaba sempre por se saber, com o voto digital é precisamente o contrário, pouca gente pode conseguir causar um grande impacto, e sem nunca se saber, porque não precisam, sequer, de estar no mesmo país onde decorrem as eleições que querem falsificar. Mínimo esforço, máximo impacto. Entram e saem, e o pessoal nem se apercebe de nada.

Contar os votos, em papel, é fácil. Facílimo. Já o fiz por duas vezes, em legislativas. Pode existir a dúvida pontual de "isto é válido?" mas é a clara exceção, e toda a gente vê, e toda a gente conta e confirma o número de votos de cada partido, e o número de boletins tem de coincidir com o número de eleitores cujo voto foi registado nos cadernos eleitorais.  Contar votos digitais é diferente. A máquina cospe um número, e a malta tem de engolir o número que a máquina cospe, sem qualquer possibilidade de validação ou dupla confirmação. Neste, como noutro casos, não engulas, cospe.

 

Já houve um teste com voto eletrónico em Portugal. Na altura passou-me ao lado. Foi em Évora, nas europeias de 2019. O relatório do MAI sobre a coisa pode ser visto aqui, mas tenho mais confiança no parecer da CNPD que foi demolidor. Tenho mais confiança na CNPD que, ao longo dos anos tem vindo a ser cada vez mais desautorizada (por ser incómoda), do que nos gajos do MAI que, de acordo com o seu próprio comunicado, pré-agendam uma atualização de segurança ao sistema não só para o dia das eleições, mas para o horário em que se esperava um pico de afluência às urnas. Não inspira grande confiança nem para a desmaterialização dos cadernos eleitorais, quanto mais para o voto eletrónico.

 

Portanto, para concluir, que isto já vai longo (parece que agora só consigo escrever testamentos), deixo-vos com dois vídeos, em inglês, de um gajo que apesar de um bocadinho acelerado demais para o meu gosto, explica mais e mais profundamente os motivos dele, que são basicamente, os mesmos que os meus. Aqui, e aqui.

 

Voto eletrónico não resolve nenhum problema, não é seguro, não é confiável, não é universalmente auditável, não é desejável.

A crise do croquete

Jonasnuts, 18.06.24

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Tinha de ser, não é? A crise do momento. E como eu até percebo uma coisa ou outra sobre crises (dos vários lados das barricadas), vamos lá.

Uma das coisas que costumo dizer quando estou a dar formação sobre gestão de crises, é que a melhor forma de gerir uma crise, é evitá-la. Parece La Palisse, não é? Mas não.

E as crises evitam-se de várias formas.

Saber comunicar eficazmente, é uma forma de evitar crises.

Claramente, o Rock in Rio falhou neste capítulo, ao não comunicar eficazmente (ou ao não assegurar que os seus parceiros o faziam junto das respetivas equipas). Se o tivesse feito, nem a Sónia Tavares nem a Bárbara Guimarães teriam cometido o pecado capital de sonegar dois croquetes, um bocadinho de salada russa e uma imperial (o que, já agora, para menu de uma tenda VIP, deixa muito a desejar).

 

Ter a equipa ideal para cada função, é também uma forma de evitar crises.

Quem está a gerir uma tenda VIP tem de ter competências sociais, tem de ser bem educado, tem de ter a sensibilidade e o discernimento para saber que one size does not fit all, e tem de saber quem são as pessoas com quem está a falar. A situação descrita pela Sónia Tavares e pela Bárbara Guimarães é inadmissível independentemente da pessoa a quem tivesse acontecido mas, convenhamos, é mais grave do ponto de vista mediático, quando é uma pessoa com acesso a uma audiência senão massiva, pelo menos muito qualificada. Não reconhecer a Sónia Tavares nem a Bárbara Guimarães, quando se está à frente de uma tenda VIP,  é sinal de que não se tem as competências mínimas para desempenhar essas funções.

Mas, apesar de tudo, há crises que não se podem evitar. Vamos supor que esta é uma dessas, uma das inevitáveis (que não era).

Uma vez partilhada publicamente a situação, há que fazer o damage control (ou o spin, que é outra forma de damage control, mas que aqui não caberia). Para se fazer isto, é preciso ter um bom departamento de relações públicas que tenha gente com capacidade para saber que é preciso avaliar os dados e o potencial do estrago, têm de ser locais ou de conhecer as idiossincrasias da população. Quem são as pessoas envolvidas? Têm muita audiência? Têm acesso a muitos profissionais de comunicação? Têm capacidade de amplificar a crise? Têm amigos em lugares poderosos? Têm pelo na venta?

Erros toda a gente comete. Só não erra quem não faz nada. A forma como se gere esse erro, e como se lida com o falhanço é, muitas vezes, outra forma de mitigar uma crise. Já aconteceu, já não a podemos evitar, mas podemos de imediato cortar-lhe as pernas (ou as asas, como queiram) e impedi-la de escalar.

É sempre a minha segunda recomendação. Mitigar, mitigar, mitigar. Estancar a hemorragia. E fazê-lo de forma proporcional.

Neste caso, o Rock in Rio deveria ter, através da sua cara mais reconhecível, Roberta Medina, falado de imediato com as visadas, de preferência pessoalmente, ao vivo e a cores, pedir desculpas, explicar que se tinha tratado de um erro e que a pessoa em causa tinha sido recambiada para funções mais compatíveis com as suas competências. Deveria ter oferecido meia dúzia de pulseiras VIP a cada uma delas. E depois de o fazer em privado, deveria tê-lo feito em público, de forma categórica e rápida.

 

Mas não, a organização do Rock in Rio faz um comunicado muito frouxo, que refere a coisa de forma muito light alegando "excesso de rigor e falta de sensibilidade... ...no momento da abordagem a Sónia Tavares e Bárbara Guimarães, e apresenta um pedido de desculpas pelo desconforto..." Um comunicado da organização. Não assinado. Ora, este comunicado serviria se as pessoas em causa fossem o Zé das Iscas e a Tina das Batatas. Não serve para a Sónia Tavares e muito menos para a Bárbara Guimarães. Não foi proporcional.

Só muito mais tarde, demasiado tarde, quando já é impossível mitigar seja o que for, estancar sequer um arranhão, quanto mais uma hemorragia, Roberta Medina faz uma story, mencionando as duas ofendidas, dizendo que vão rever os procedimentos (provavelmente a questão da comunicação juntamente com mas competências das pessoas que gerem o espaço, de que falo ali em cima), justifica levemente a atitude com a "pressão de um evento desta dimensão" (e não o devia ter feito), e pede desculpas, num texto para o qual não teve qualquer assessoria de comunicação ou, se teve, pelo amor da santa, mudem de assessor.

Esta story de Roberta Medina, vá, mais bem escrita, poderia ter surtido efeito se tivesse sido partilhada imediatamente a seguir, e não no dia seguinte. Assim, too little, to late.

A fúria mediática e a máquina de produzir conteúdos com base na atualidade encarregar-se-á de chupar o osso até ao tutano. E bem, que se puseram a jeito.

A Joana Marques já lhe deu um tratamento exemplar, no seu "Extremamente Desagradável", no programa das manhãs da Rádio Renascença, que está no top 3 das audiências portuguesas e cuja responsável, a Ana Galvão, por acaso, até participa num programa da Sic Mulher com a Bárbara Guimarães e com a Pipoca  chamado, muito oportunamente, "Temos de falar"(aquela coisa do "Têm acesso a muitos profissionais de comunicação? Têm capacidade de amplificar a crise? Têm amigos em lugares poderosos?" amplamente respondida).

O Lidl já tratou de capitalizar, bem e com piada, reagindo até antes da organização ter pedido desculpas. A equipa de comunicação do Lidl a ler a coisa muito melhor e mais rapidamente que a equipa de comunicação do Rock in Rio.

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O Licor Beirão, a mesma coisa (embora mais tarde).

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Aguardemos pela Control, que costuma apanhar estas boleias com muita piada.

Os memes estão ao rubro, partilhados no Instagram, no Twitter, no Facebook, no TikTok.

O Rock in Rio não pode agora fazer mais nada. É esperar que morra. O mais que pode fazer é evitar a próxima, lá está, seguindo as minhas recomendações ali de cima. Aprender com o que aconteceu. O que já não é mau (conheço mais do que um caso em que não aprenderam absolutamente nada e ainda se armaram em vítimas da sociedade woke - " também pá, já não se pode fazer nada").

Mesmo assim, acho que o Rock in Rio acaba por ter alguma sorte. Podia ter sido pior.

Podia a senhora que expulsou a Sónia Tavares e a Bárbara Guimarães ter estado de turno quando a Pipoca se afiambrou às gomas. E se tem tocado esta rifa à Pipoca, a coisa teria piado substancialmente mais fino. Lá está, aquela coisa do pelo na venta.

Numa próxima oportunidade, olhem..... contratem-me.

Mas antes, que eu prefiro (ensinar a) evitar crises, a geri-las.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eleições europeias - Relatório final

Jonasnuts, 12.06.24

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Não venho falar de resultados eleitorais. Sobre isso, o que tenho a dizer é que precisamos de fazer mais e melhor.

Venho falar das alterações aos processos habituais de voto. Já tinha falado disso aqui, e aqui (tudo auto-links), e queria partilhar agora a experiência final.

Não quis escrever a quente. Deixar passar uns dias, refletir, ponderar, dar espaço para que se instalasse alguma capacidade de relativização.

Relativizar, porque foi a primeira vez que se experimentou esta coisa da desmaterialização dos cadernos eleitorais. Seria expectável e natural que existissem erros, arestas a limar. Estas eleições serviriam para identificar pontos de melhoria.

Mas há mínimos, não é?

Já referi os problemas de comunicação e a ausência de informação, algum atabalhoamento, soluços, a falta de centralização tem dessas coisas, nãos nos esqueçamos, e trata-se de um processo exigente.  Mas, se os problemas tivessem sido apenas estes, estaríamos muitíssimo bem servidos. Tudo questões fáceis de resolver. Haja vontade.

Reparem, para 90% dos (poucos) eleitores que foram às urnas, a experiência foi positiva, mais rápida, pelo menos.

Para os (pouquíssimos) eleitores que foram ali na hora de pico (na minha mesa foi um bocadinho antes da hora de almoço - fim da manhã), a experiência já foi diferente, com tempos de espera ali na casa da meia hora. Porquê? Só posso supor, mas tendo em conta a minha experiência, é aquilo a que os estrangeiros chamam um educated guess. A rede não estava dimensionada para picos de pedidos. Atascava e demorava a responder, o que fazia com que a aplicação borregasse e obrigasse à intervenção dos Técnicos de Apoio Informático que, fazendo uso de todas as horas de formação, aliadas às suas competências pessoais, optavam por um "long press" para desligar, aguardavam uns momentos, e premiam de novo o botão (premiam, não pressionavam), para reiniciar a máquina. 

Tomem nota, atascar e borregar são termos altamente técnicos.

Eu fiz restart às "minhas" máquinas pelo menos uma dúzia de vezes.
Nas outras três mesas que estavam no mesmo sítio que a minha, a experiência não andou longe.

A confirmar-se este educated guess, a rede atascou em hora de pico, numas eleições que tiveram 70% de abstenção. Numas eleições um bocadinho mais concorridas, as presidenciais, por exemplo (abstenção de 60%, nas últimas), nem quero imaginar como seria. Os tempos de espera teriam sido substancialmente superiores aos do analógico. Longe de reunir condições mínimas.

Este foi o ponto de que alguns eleitores se aperceberam. Há depois os bastidores, as coisas de que se apercebe apenas quem participou no processo.

 

Comecemos pela segurança. Avancemos com um disclaimer: eu não sou especialista em segurança. O que sei de segurança destas coisas aprendi por privar de muito perto e por trabalhar com equipas de gente muitíssimo competente nesta matéria, e por eles terem tido a paciência de me explicar coisas e de responder às minhas dúvidas e perguntas. Posto isto, não me parece grande ideia, do ponto de vista da segurança, que os usernames dos membros das mesas fossem públicos. 

As credenciais foram entregues num envelope fechado, muito semelhante ao usado pelo bancos para nos enviar o pin (sendo que o banco não manda user e pin no mesmo envelope, mas pronto). Mas o username dos membros da mesa obedecia a características que o tornam público. Um conjunto de letras e números constituídos por XX – Região | Continente, YY – Distrito | País, WW – Concelho | Consulado, ZZ – Freguesia | Posto Consular, U – Perfil do utilizador (1 presidente, 2 vice presidente, 3 secretário, 4 e 5 escrutinadores) e 000 – Secção de Voto.

De repente, um dado que se quer, no mínimo discreto, é público. Não me parece grande ideia.

Sobretudo quando a password (ou pin, ou palavra-chave, ou senha, dependendo do documento consultado) e constituída por apenas 6 dígitos numéricos. Não há cá aqueles requisitos de segurança que até as redes sociais nos colocam...... caixa alta, caixa baixa, letras, números, símbolos, mais do que 10 carateres. É preciso para o Instagram, mas para o Ministério da Administração Interna, nem por isso.

Podem dizer-me (que disseram), ah, passwords complicadas depois as pessoas demoram muito a digitar e perde-se tempo, e é verdade. Mas se nos queixamos tanto da falta de literacia digital das pessoas, e o desconhecimentos sobre conceitos básicos de segurança é uma das primeiras queixas, ter o MAI a dar este exemplo, não me parece nem boa ideia nem pedagógico.

Também me podem dizer, que disseram, que não se faz nada com estes dados, que não se consegue fazer nada com estes dados a não ser abrir a mesa, fechar a mesa, suspender a mesa, fazer pesquisas à base de dados, consultar relatórios, dar entrada a eleitores e concluir o processo de votação (mesmo assim parece-me muita coisa), e eu respondo, se não se faz nada com estes dados, eles não são propriamente necessários, e escusavam de ter gastado um dinheirão com os envelopes dos usernames (ou user, ou utilizador ou login, é à vontade do freguês).

 

Por último, a equipa de apoio ao TAI. Os Técnicos de Apoio Informático tinham acesso a uma linha (um 800 qualquer coisa, qualquer coisa) de apoio técnico, que deveriam contactar sempre que tivessem problemas técnicos.

O trabalho dos TAI não era difícil ou complexo. Chegar às 6 da manhã, montar o equipamento e assegurar que estava ligado, dar apoio à equipa da mesa com dúvidas técnicas que pudessem existir sem nunca poderem olhar para o monitor ou ter acesso ao sistema (e bem), fazer reset às máquinas sempre que surgisse algum problema, desmontar e arrumar o equipamento assim que a presidente da mesa desse indicação de que já não seria necessário. Para além disso, tinham apenas uma outra função, reportar afluência.

Para o efeito, era necessário descarregar uma app (do MAI, em versão android e iOS), sincronizá-la com a mesa, através da leitura de um QR Code, e de 15 em 15 minutos, reportar.

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Não são muitas as opções, bem sei, e acabou por ser diferente daquilo que nos tinham dito na formação, mas pronto. Seja como for, foi já esta versão que testei, sem problemas de maior, no dia dos ensaios, a 1 de junho.

Ora, eu tive problemas de sincronização da app, no dia das eleições. A presidente gerava o código, eu lia o código e recebia uma mensagem de erro.

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Primeiro descartamos os problemas óbvios, não é?

Deixa lá ver se é a última versão da app. É.

Desinstala e volta a instalar. Nada.

Experimenta só depois da mesa abrir. Népia (outro termo técnico).

Pessoal à minha volta sem problemas, mas tudo android. 

Ligo para o número. 

Tenho dúvidas de que a senhora que me atendeu tenha, sequer, percebido o que lhe estava a dizer. Tendo em conta que me mandou verificar se o equipamento estava bem ligado à corrente, creio que não chegou lá. Expliquei mais devagar que o meu problema era de sincronização da app, app do telemóvel. Também me perguntou se eu tinha a certeza de que tinha instalado a versão iOS ou se não me tinha enganado e instalado a versão Android. Suspirei. Calmamente expliquei. Esperei um bocadinho para que pudesse falar com a supervisão e veio a resposta. Uma resposta digna de um (mau) contact center: isso não é neste número, é no número de apoio aos membros da mesa. Ainda tentei explicar que os membros da mesa não tinham nada a ver com isto e, em cima disso, os meus dados de autenticação não deixavam, sequer, que eu chegasse ao IVR no número de apoio aos membros da mesa (e bem). Mas dali não saiu e eu, vendo que estava a perder o meu tempo (e o dela), agradeci muito e desliguei.

Por descargo de consciência, ainda tentei o 800 dos membros da mesa, apenas para confirmar a minha suspeição de que não passava do pedido de autenticação e que as minhas credenciais não serviam.

Recorro à TAI da mesa do lado, que teve acesso a mais documentação do que eu (no site do MAI, num sítio onde as minhas credenciais não me deixavam aceder), e havia um número de telefone específico para problemas com a app o 21 394 71 00. Fui muito bem atendida, por uma senhora simpatiquíssima, que de app, percebia boi (mais um termo técnico). Nem sequer sabia que o número a que estava a dar resposta estava identificado nos manuais dos TAI e não me conseguia ajudar. Que eu devia ligar para o número de apoio aos TAI. Expliquei que já tinha experimentado. Estava chocadíssima por me terem mandado para o número da mesa, que não, quer era o número dos TAI.

Lá vou eu outra vez. Número dos TAI. A pessoa que me atende é diferente, a resposta é a mesma. Explico que não passo sequer da autenticação e dizem-me que tenho de pedir a um membro da mesa para ligar para o número de apoio ao processo de contingência (nada como os portugueses, para tentarem dar a volta aos esquemas). Tento explicar o ridículo da situação, de ter um membro da mesa a ligar para o número de contingência, para tratar de uma dificuldade técnica da TAI. Debalde.

Acabei por, através da metodologia infalível da tentativa e erro, desinstala e volta a instalar, descobrir o problema e resolvê-lo (a app precisava de mais permissões de geolocalização do que as que eu estava a dar - eu estava a autorizar uma vez, e a app precisa de ter acesso sempre - o que é estúpido, porque um TAI não pode mudar de mesa). Ainda desenrasquei mais dois iOS users da mesma escola onde eu estava.

Os requisitos para se ser TAI não eram muitos (12º ano e informática do ponto de vista do utilizador), pensar-se-ia que, com esta limitação de competências dos TAI, tivessem investido nas competências de quem lhes daria apoio, que soubessem, pelo menos, perceber problemas e apresentar potenciais soluções, ou ter uns scripts de jeito. Da minha experiência..... nota máxima na simpatia, nota mínima no que era mais importante.

 

O sistema não foi amplamente testado, é a ideia com que fico. 

Toda a gente que trabalha nesta área, sobretudo se trabalha para um número grande de potenciais utilizadores, sabe que, quanto maior for o número de testers diferentes e que não pertençam à equipa de desenvolvimento/produto, melhor. 

Há falhas que se perdoam por não serem óbvias, por apenas percebermos que são falhas depois de acontecerem, por serem difíceis de identificar sem que o sistema esteja em produção. Deparei com muitas, destas, ao longo da minha vida. Claro que também me deparei com falhas que poderiam ter sido evitadas, que isto só não falha quem não faz.

Mas, para umas eleições, os requisitos têm de ser mais exigentes do que os de um serviço que aloja homepages, nos anos 90. E não me parece que tenham sido. Não na proporção em que acho que deveriam ter sido.

Resta-me esperar que os senhores do MAI (e das câmaras, mas sobretudo do MAI) tenham estado atentos, e que tenham agora um formulário para enviar aos TAI a pedir feedback, senão a todos, pelo menos aos que contactaram com as linhas de apoio, e aos que reiniciaram o sistema mais do que X vezes. 

 

Foram cometidos muitos erros (uns mais evitáveis que outros). Ao menos que aprendamos com eles.

 

Seja como for, quando vierem falar em voto eletrónico, estas eleições são um bom argumento contra (sou violentamente contra o voto eletrónico), se nem a porra dos cadernos eleitorais conseguem desmaterializar, quanto mais meterem-se em voos altos de votação eletrónica.

 

(Ai valha-me deus, que isto saiu um testamento...... Alguém chegou aqui ao fundo?)

Ainda a comunicação das eleições europeias

Jonasnuts, 04.06.24

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Na sequência do meu post anterior (auto-link), e porque entretanto tive acesso a mais informação e documentação (no âmbito do meu trabalho como TAI - Técnica de Apoio Informático), achei que fazia sentido aprofundar um bocadinho a forma como estas eleições europeias, com as alterações e mudanças que trazem, têm estado a ser comunicadas.

A comunicação tem vários destinatários. A população em geral, os membros das assembleias de votos e os TAI que vão estar a dar apoio aos membros das assembleias de voto.

Como se sabe, comunicamos diferentes coisas e de diferentes formas, consoante a audiência para quem falamos, e consoante o que queremos transmitir.

Mas, em toda a comunicação, deve haver um cuidado especial de harmonização, no que diz respeito ao vocabulário escolhido.

No início era o verbo, não eram os verbos.

Nuns sítios é user, noutros é utilizador, noutros é login.

Nuns sítios é senha, noutros é pin, noutros é password.

Alguém tem de ensinar ao MAI (ou a quem este contratou para tratar da comunicação), a importância da uniformização da linguagem, sobretudo em contextos tecnológicos para utilização de não técnicos.

Os exemplos são muitos (endereço, url, site, sítio, webpage), mas não quero ser exaustiva.

Outra exemplo gritante de falha na comunicação, desta vez para a população em geral, é o facto de dizerem "pode votar em qualquer lado", seguido de um "descubra aqui a assembleia de voto em que está registado". Se dessem um mapa, com as assembleias de voto, para que a pessoa pudesse ver qual a mais próxima, estaria muito bem. 

Mas, dizer às pessoas que podem votar em qualquer lado e de seguida apresentar o formulário que permite à pessoa verificar qual é a assembleia de voto em que está registada, é contraditório e induz em erro. Sobretudo porque para 99% dos casos (mas não 100%) essa informação é irrelevante.

 

Por último, um tema que me é muito caro há muito tempo, mas que parece não fazer sentido para o MAI, a linguagem inclusiva. 

Toda a comunicação destas eleições (na realidade, toda a comunicação, mas este post é sobre as eleições europeias) fala para o homem, o gajo, o masculino, as pilas. O eleitor, o técnico, o presidente, o escrutinador, o secretário (imagine-se, um gajo secretário :-).

Eu sei que há problemas de língua difíceis de resolver, e que o português é muito binário, com prevalência para o masculino (I wonder why), mas já vai sendo tempo de, pelo menos o estado, falar para toda a gente em igualdade de circunstâncias e não com hierarquias, em que se fala para eles, e elas que percebam se estão incluídas ou não.

 

Gostava de ver mais gente preocupada com as palavras, o poder transformador das palavras, e o poder inclusivo do discurso.

Num momento em que se fala de comunicação personalizada, sobretudo as marcas, que querem tanto conhecer os hábitos de navegação e de consumo dos seus consumidores, para "lhes proporcionar uma experiência mais adaptada ao seu perfil", podiam começar pelo básico, e falar para toda a gente, em vez de falarem apenas para os gajos.

Gostava de ver as comunicações das marcas a virem ter connosco à terceira década do século XXI, em vez de estarem estagnadas na quinta década do século XX. 

Gostava de ver mais gente, nas marcas, a perceber que pegar em todos os conteúdos que tem públicos e "traduzi-los" para linguagem inclusiva, é um trunfo diferenciador, e não uma trabalheira que não serve para nada.

Incomoda-me muito, a falta de visão de futuro.

Eleições europeias - Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo

Jonasnuts, 21.05.24

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Não tenho visto grandes notícias sobre isto, mas a verdade é que eu não consumo muita comunicação social tradicional, e muito menos a televisiva mainstream, por isso, se calhar, estou a ser injusta.

O estado decidiu chamar-lhe desmaterialização dos cadernos eleitorais o que, para as pessoas normais, tem muito pouco significado. Já se sabe que o estado gosta de usar o complicómetro.

 

Na realidade, traduzindo livremente sem me preocupar com detalhes técnicos, nas próximas eleições europeias o voto vai ser tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo, isto é, qualquer pessoa com direito ao voto vai poder votar em qualquer mesa de voto, independentemente da sua localização.

 

Pessoal que vai aproveitar o fim-de-semana grande para fazer umas mini férias, podem votar no sítio das férias (desde que haja uma mesa, se vão para o estrangeiro, informem-se). Prevê-se até uma afluência maior às mesas algarvias, por via dessas mesmas férias.

Tenho dúvidas. Não só isto não está a ter grande divulgação, como as pessoas se estão um bocado borrifando para as eleições europeias (que é onde se decidem de facto as coisas, enfim, vá-se lá entender as pessoas).

 

Desta vez não estarei nas mesas. Quis meter o nariz no processo técnico (que eu sou muito relutante em relação à digitalização da voto) e por isso vou ser TAI - Técnica de Apoio Informático. 

Já fui à sessão de formação. Já identifiquei pontos de falha (é natural, é a primeira vez, está tudo a aprender como é que se faz), e estou muito curiosa em relação à questão tecnológica.

Não em Lisboa ou centros urbanos, mas na vila lá longe, por trás do sol posto, que não tem pauzinhos de acesso à rede, e sem acesso à internet, nos computadores da mesa, não há voto para ninguém.

Diferenças para quem vai votar:

Não vão ver as listas de nomes, nem têm de se dirigir a nenhuma mesa em particular. Vão à que tiver menos gente. (isto fará mais confusão ao pessoal que há 50 anos que vota na mesma assembleia, na mesma mesa).

A mesa terá dois computadores, no sítio onde antes estavam as escrutinadoras, com os cadernos eleitorais, que tinham de dar com o vosso nome, depois da presidente da mesa o ler em voz alta.

 

Nesses computadores haverá um leitor de chip, para identificar os cartões de cidadão (também funciona com os das cidadãs).

 

Para quem, como eu, não gosta de dar o cartão de cidadão, a identificação dos eleitores pode ser feita por pesquisa à base de dados, por número do documento, mostrado à presidente da mesa (ou à vice-presidente). A app id.gov.pt é aceite.

Depois é business as usual. Uma vez validada a pessoa, é-lhe entregue o boletim de voto, vai à cabine, vota, dobra o boletim, sai da cabine, entrega o boletim à presidente da mesa (ou à vice-presidente), recebe o documento de identificação (se o deixou), e segue o seu caminho, com a noção de dever cumprido (as únicas eleições em que são as pessoas a inserir o voto na urna é nas autárquicas, mas quando estou na mesa, deixo as pessoas colocarem o seu voto, se quiserem. Acho que tem um peso simbólico grande).

 

Uma nota final para o site da CNE, que deve ter sido feito algures nos início dos anos 90 e não esconde, não tem motor de pesquisa (sim, eu sei que posso usar o google para pesquisar num site específico, mas muita gente não sabe), não tem informação sobre esta desmaterialização e, em mobile, mostra um suspeito "not secure", para além de não ser responsive. Já tratavam disso, senhores. Dá ideia de que a única coisa que atualizam é o ano no rodapé "©2024 CNE - Comissão Nacional de Eleições" (eu sei que atualizam conteúdo, permitam-me a hipérbole). 

 

Dia 9, tirem 5 minutos e deem (custa-me, não ter ali o ^) um pulo à assembleia de voto que vos der mais jeito, e votem.

 

Não custa nada e, se votarem bem, até faz bem à saúde. Vossa e dos outros.


Para quem tem dúvidas e quer aceder à informação oficial, é clicar aqui.