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Jonasnuts

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Os complacentes

Jonasnuts, 01.08.25

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Tenho este post atravessado, e refletido, há bastante tempo. Meses.

Porque se no passado rapidamente dispararia um post, hoje em dia sou substancialmente mais ponderada. Protejo-me, resguardo-me, e só vou a jogo com coisas que acho verdadeiramente importantes.


Então os complacentes, não é verdade?

E quem são os complacentes?

São os principais responsáveis pelo estado a que isto chegou, como diria Salgueiro Maia.

São as pessoas que até têm convicções, valores e princípios como deve ser, mas que optam por os silenciar, amornar, moderar e esconder, a bem do que consideram ser a paz social (ou profissional, ou familiar, escolham o que melhor se apropriar ao vosso contexto). 

São aqueles que evitam manifestar as suas convicções em público, sobretudo na presença de pessoas cujas convicções, valores e princípios deixam muito a desejar.

A bem de uma paz (podre), vão-se calando.

"Parece mal"

"No fundo, são boas pessoas, só têm este problema"

"É mais o que nos junta do que o que nos separa"

"Não é este o momento para se ter esta conversa"

É culpa dos complacentes que certos discursos, que já vi mais envergonhados, estejam a regressar com confiança. Sem vergonha, sem filtros, até de forma provocatória.

Já vi o racismo mais envergonhado do que o vejo hoje.
O mesmo com a xenofobia.
A transfobia, enfim, essa nunca chegou a esconder-se e está cada vez mais assanhada. 

A misoginia? Se até temos o atual governo a encabeçar o esforço do regresso ao passado, com os atestados para amamentação, ou a revisão da lei do luto gestacional, é natural que haja quem sinta a sua misoginia validada e com rédea solta para a exibir. E para a exercer; basta olhar para os números da violência em contexto relacional e ouvir as inenarráveis e ignorantes declarações do atual primeiro-ministro acerca do tema. 

Muitos ismos e muitas fobias têm mostrado regressos fulgurantes. 

E se muitos destes regressos se devem à desinformação, à ignorância, ao emprenhamento auricular (isto é tudo sinónimo, mas pronto), não é despiciente o contributo dos complacentes.

Porque se a esta gente racista, no momento em que está a proferir os dislates, lhes cair alguém em cima, de forma assertiva, com a veemência de quem não admite merdas, se nesse momento ouvirem um "não" categórico, não é que eles deixem de ser racistas, que não deixam, mas pelo menos não se sentem tão à vontade. O ambiente melhora imediatamente.

Os complacentes optam por valorizar o "Eu não sou xenófobo...", em vez de valorizarem o que vem a seguir, o  "....mas...." que é o que corresponde à realidade. 

Os complacentes ouvem alguém a dizer "eu sou racista", e optam por sorrir, com aquele ar "não façam caso, ele é ótima pessoa, só é tonto", são responsáveis, culpados por associação. 

Os complacentes que optam por manter no seu círculo pessoas que são manifesta e assumidamente defeituosas em matérias de direitos humanos são, eles próprios, defeituosos.

Esta é uma daquelas raras matérias em que não há cinzentos, em que não há degradés, em que não há a menor possibilidade de compromisso ou transigência. 

E se há temas em tenho feito um esforço para ser mais tolerante, compreensiva, empática e transigente, este não é um deles. 

Nem nunca será.

Porque, se és racista ou xenófobo ou etc..., ou aceitas ter no teu círculo pessoas destas, às quais vais acenando que sim enquanto elas proferem barbaridades, então não...


... não é mais o que nos junta do que o que nos separa.

Anatomia de um fact checking

Jonasnuts, 02.03.25

Não é de hoje, o meu interesse pela comunicação, pela forma como os conteúdos são disseminados, pelos fenómenos de desinformação, etc. Desde sempre o meu foco foi nas pessoas normais. No papel que temos, nós, cidadãos comuns, apenas com acesso aos mesmos recursos que toda a gente (ferramentas de publicação e de partilha - homepages (para ir mesmo ao início), blogs e seus sucessores, redes sociais, plataformas de messaging, etc.).

Claro que os meios de comunicação social, os sites institucionais, e as plataformas de grandes produtores de conteúdos têm importância, mas sempre dediquei a minha atenção ao poder da pessoa comum, no fundo, ao meu poder enquanto ser humano.

Sobretudo nos últimos três anos tenho lido, pesquisado e investigado muito o tema da desinformação, que elegi como principal inimigo da nossa sociedade. Confesso que quis aprofundar o meu conhecimento para tentar desenganar-me, dediquei-me a provar que estava enganada. Não consegui. Na realidade, quanto mais sei sobre o assunto (por via do que leio em livros, jornais, revistas, estudos, ensaios, blogs (que agora já não se chamam assim), substacks, etc.) mais me convenço de que este é O tema, A batalha, O inimigo a abater.

Provavelmente por causa disso e por causa "do estado a que chegámos"*, tenho cada vez mais atenção ao que dissemino, ao que partilho. Antes era mais rápida no gatilho, a fazer RT ou QRT (formas de partilhar conteúdos de terceiros, em plataformas como o Twitter, o Mastodon, o Bluesky - os nomes diferem de plataforma para plataforma, mas eu uso terminologia única). Se via uma coisa divertida, gira, interessante, ou que considerasse bombástica, proveniente de uma fonte mais ou menos confiável (e às vezes nem isso), partilhava.

Hoje em dia, tento não fazer isso. Ou melhor, não o faço com a ligeireza de antes. Continuo a cometer erros (que têm a ver na maioria das vezes com o facto de confiar em alguém que não merece essa confiança, ou que também se enganou), mas tenho mais cuidado. Estou muito mais alerta. Em primeiro e destacadíssimo lugar, em relação ao que partilho, mas também ao que outros partilham. Sou hoje muito mais sensível em relação à disseminação de desinformação (e das suas variantes malinformation e misinformation para as quais o português não tem equivalência, por meter tudo no mesmo saco).

Uma pessoa que partilhe uma cena falsa/errada, que seja avisada de que é falso/errado (com links e provas e tudo), e mantenha a coisa online, recebe um unfollow. Acredito que os nossos follows contribuem para credibilizar e para reforçar a reputação de quem seguimos, logo, seguir uma pessoa que opta de forma consciente por disseminar desinformação é, de certa forma, contribuir para o problema. Unfollow é a única alternativa. Só para verem o estado de intransigência a que cheguei :-)

Todo este parlapié para contextualizar a minha noite de ontem :-)

Por volta das 11 da noite, aparece na minha timeline do Bluesky um RT da Alex Silvestre, de um post da conta Canadian Resistance, que por sua vez fazia QRT a um post de um Brian Tyler Choen (ufa).

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A vontade de fazer RT ao RT da Alex foi imediata. Aliás, tive a coisa pronta, só faltou clicar no "Repost". Mas o meu sentido de aranha apitou e eu decidi ir atrás. Reli o "post" da Haltbakk Bunkers, e achei que usava uma linguagem muito pouco institucional. Também não reconheci o layout da rede social em que o post tinha sido, alegadamente, feito.

A conta Canadian Resistance, por muito que o nome apele e agrade, deixa-me à partida de pé atrás. Segue quase tantas contas como as que a seguem e não permite comentários por parte de toda a gente. Descartei.

Fui olhar para o perfil de quem partilhava originalmente a coisa. O tal Brian Tyler Choen. Bom, seguidores não lhe faltam, mas quantidade de seguidores não é critério, para mim. O resto que fui saber dele não me permitiu catalogá-lo como fonte credível. "American progressive YouTuber, podcast host, author, political commentator, actor and MSNBC contributor", na wikipedia. Descartei.

Segui para o site da empresa que, felizmente, tem uma versão em inglês. O meu norueguês não é grande coisa (embora tenha melhorado, entre ontem e hoje).

Nenhuma referência à coisa, no site da empresa. Há uma página de facebook linkada no site, portanto, esta é a rede social oficial (entretanto apagaram a conta, ou foi suspendida, mas ontem estava disponível). O último post era de finais de fevereiro, com uma foto ou um vídeo de um barquinho e umas animações e leterings um bocado farsolas, nenhum texto a acompanhar (embora já lá tivesse um comentário a dizer "Boycotting Norway  ou coisa do género). Mas da declaração bombástica a dizer que deixariam de abastecer americanos, não havia sinal. Descartei.

Decidi então procurar notícias da coisa. Algo que já tinha umas horas, de tão grande impacto (pelo menos mediático), já deveria ter sido referido nas notícias.

Pesquiso no google pelo nome da empresa e vou à tab "news". À hora a que fiz esta pesquisa, havia 4 resultados (neste momento há 5 páginas deles). A mais antiga, de 2022, referindo que a empresa se tinha recusado a abastecer um iate russo. Indicador positivo.

As restantes três tinham apenas algumas horas e referiam o caso de recusa de abastecimento aos americanos. Eram esta, esta e uma do The Gateway Pundit que não linko, porque é um site que espalha desinformação.

Do UKDJ nunca tinha ouvido falar, apesar de parecer uma coisa de jeito. De qualquer forma, não tinha links, não tinha indicação de que tivesse tido acesso à informação em primeira mão, referia a declaração emitida pela empresa mas não indicava como é que lhe tinha tido acesso, não creditava fontes primárias. Descartei.

O Daily Express conheço, sei que não é um daqueles sites a imitar OCS e que, vai-se a ver, é um gajo e meia dúzia de estagiários, com um design que induz em erro, propositadamente feito para gerar credibilidade por associação gráfica (um bocadinho como aqueles comunicados do partido errado, onde usam um interface gráfico de órgãos de comunicação social tradicionais, para enganar o pessoal - mais uma forma de desinformação).
O artigo do Daily Express já acrescentava qualquer coisinha, apesar de continuar a ser um artigo de "ouvimos dizer". Já dizia que a declaração tinha sido "posted on social media...." e, o mais relevante de tudo, referia uma fonte, o Kystens Næringsliv.

Ora...... Kystens Næringsliv (que neste momento está atascadíssimo) está todo escrito, imagine-se, em norueguês. O meu norueguês não é grande coisa (é inexistente obviamente), mas mesmo assim, consegui identificar a notícia, não só por causa de algumas palavras que se conseguem perceber "moralsk kompass", "sosiale medier", "Trump", "amerikanske presidenten og hans visepresident", "krainas president Volodymyr Zelenskyj", mas sobretudo porque eu já tinha ido atrás no CEO da Haltbakk Bunkers e já lhe conhecia a cara.

Mas o Kystens Næringsliv podia ser o The Onion lá do sítio, não é? Parece que não mas entre a dependência do google translate e a ausência de mais fontes, hesitei.

Nesta altura, na sequência de mais pesquisas e de tentativas de validação, era evidente que a coisa se estava a disseminar muito rapidamente, e vejo imensas referências, partilhas e comentários em todo o lado. Para além do Bluesky, Twitter, Facebook, Reddit, até no assético Instagram eu encontrei menções sobre o caso. Sempre sem links, sem créditos, sem qualquer forma de verificação e validação.

Era também imensa a diversidade gráfica dos screenshots que fui encontrando, alegando serem os do comunicado da empresa, entretanto alegadamente apagado.

É nesta altura que desabafo, no Bluesky, sobre a rapidez com que isto se está a disseminar, e com a minha dificuldade em validar a coisa.

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Começo a receber feedback e contributos imediatamente (alguns entretanto apagados, curiosamente).

Mais gente com as mesmas dúvidas, e com o mesmo trabalho de fact checking feito. Entre todos, conseguimos chegar à origem da coisa, validá-la, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista linguístico, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista da diversidade e redundância.

O fasf falou com colegas noruegueses.

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O Luís Galrão, profissional da coisa, também já tinha andado a cuscar.

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E o Zé à Esquerda validou a tradução do primeiro artigo norueguês. Screenshot 2025-03-02 at 14.17.02.png


E a diversidade de fontes credíveis, aqui, aqui e aqui (tudo em norueguês, benza-os deus, que aquilo é indecifrável).

Entre todos, e com mais alguns contributos, pudemos validar a coisa, dá-la como suficientemente credível para que pudesse ser partilhada de forma confortável.

O processo todo demorou uma hora e picos. Quando concluí(mos) pela veracidade da coisa, já havia mais algumas notícias (todas em norueguês), mas havia sobretudo, milhares e milhares de partilhas, em várias redes (nem fui ver ao tik-tok) de algo que, sendo verdadeiro, levantava muitas dúvidas.

Se isto fosse mentira, teria sido impossível repor a verdade.

E é assim que se espalha a desinformação, na velocidade a que o pessoal partilha cenas, para ser os primeiros, para sentir relevância (?), ou sei lá para quê, para dizer a verdade acho que pode ser apenas a vertigem da presença numa rede, e a "obrigação" ou a pressão para dizer coisas.

Mas, neste caso, até é verdade e, por isso, caro Gunnar Gran, muito bem, fantástico, venham daí esses ossos. 

 

 

 

* Salgueiro Maia. 25 de Abril de 1974. Escola Prática de Cavalaria - Santarém. "Há diversas modalidades de Estado: os estados socialistas; os estados corporativos e o estado a que isto chegou! Ora nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos. De maneira que quem quiser vem comigo para Lisboa e acabamos com isto. Quem é voluntário sai e forma. Quem não quiser vir não é obrigado e fica aqui." 

Voto eletrónico? Não, obrigada.

Jonasnuts, 26.06.24

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Na sequência da desmaterialização dos cadernos eleitorais nas últimas eleições europeias (escrevi sobre isso aqui, aqui, e aqui - tudo auto-links), e como seria de esperar, ouviram-se algumas vozes falar em voto eletrónico.

 

Na altura pensei em escrever um post a explicar porque é que, sendo a favor da desmaterialização dos cadernos eleitorais (melhorando o processo e tornando-o mais seguro e menos vulnerável), sou VIOLENTAMENTE contra o voto eletrónico.

Reparem, voto eletrónico nem sequer diz respeito ao voto pela internet, a partir do dispositivo de cada um, voto eletrónico é a ausência de papel, e o registo exclusivamente digital do voto dos cidadãos.

De acordo com a constituição portuguesa, "O povo exerce o poder político através do sufrágio universal, igual, direto, secreto,......."

Portanto, esta coisa de ter de ser secreto, universal e igual, arruma logo com o voto por internet.

 

Vamos ao voto eletrónico. Aquele em que as pessoas se deslocam à assembleia de voto e têm, em vez de caneta e papel, uma maquineta, onde registam o seu voto.

 

O atual sistema de voto, existe há milhares de anos. O primeiro registo é da Grécia antiga. Não era universal, não era igual, mas era secreto. As pessoas registavam fisicamente a sua intenção, fosse numa folha, num bocado de argila ou, como atualmente, num papel. Há uma manifestação física do voto de cada pessoa. Ora, um sistema que existe há milhares de anos, e que tem vindo a evoluir ao longo do tempo, tem a enorme vantagem de já ter sido testado milhões de vezes. E já muita gente terá pensado e tentado furar o esquema. Já foram tentados todos os tipos de fraude. E o sistema evoluiu, para mitigar essas fraudes. E já se percebeu há muito tempo, que para haver impacto, a sério, no atual sistema, é preciso que haja muita, muita gente envolvida e, como sabemos, o único segredo que se consegue guardar é aquele que não partilhamos com ninguém. Muita gente a saber de uma fraude, porque vai participar nela, ou porque o tio, ou a namorada, ou whatever, significa que a coisa não tem pernas para andar, porque rapidamente se identifica a tentativa de fraude.

Não estou a falar do presidente da junta que, de cabeça perdida porque o seu partido está em clara desvantagem nas sondagens, decide meter meia dúzia de votos na urna. Isso não tem impacto (além de que precisa da cumplicidade duma série de gente). Essas são fraudes locais, com nenhum impacto no resultado final e que, mesmo assim, vêm a lume e são investigadas.

 

Fraude a sério, com capacidade para virar o resultado de umas eleições, com o atual sistema, é impossível.

O que é bom.

Outra vantagem do atual sistema é o facto de ser simples, compreensível e acessível a todas as pessoas, independentemente do seu background, grau de instrução, cultura ou conhecimento. Toda a gente percebe como funciona e qualquer palerma, mesmo com pouco recursos intelectuais, consegue auditar o processo, ou perceber se existe algum problema.

Convém também que o processo seja seguro, e que essa segurança seja percetível e palpável por todos. A confiança no sistema de voto é fundamental. Não é à toa que os partidos anti democráticos clamem por fraude por dá cá aquela palha (sem link que não dou palco a porcos). O atual sistema é seguro e inspira confiança, precisamente porque toda a gente percebe como funciona.

Policiamento e auditoria. Num processo em que confiamos, é preciso desconfiar de tudo, por isso é que o voto é secreto, para não ser manipulável de fora, sujeito a pressões e subornos. É a pessoa, sozinha, numa cabine de voto, com uma caneta, vota, dobra o boletim e insere na urna, que está sempre vigiada por várias pessoas diferentes e de diferentes cores políticas. Este processo é fácil de auditar, e policiamo-nos todos uns aos outros. E bem. Este policiamento de todos por todos acontece também no momento da contagem e da elaboração da ata.

(Há países onde o suborno funciona especialmente bem, como em Itália, onde existe quem pague por voto num determinado partido, mediante fotografia do boletim de voto devidamente assinalado, o que, como sabemos não serve de nada, porque as pessoas podem perfeitamente tirar a foto, anular o voto e pedir outro boletim. Já se o fazem, são outros quinhentos).

E há também o Bulgarian Train. Mas, lá está, a coisa acaba por se saber, além de que é preciso ter MUITO dinheiro.

Portanto, atual sistema, funciona, inspira confiança, manipulado com muita dificuldade, seguro, simples e funciona.

 

Vamos então ao voto eletrónico, e a minha pergunta começa por ser, para quê? Se temos um sistema que funciona, que é simples, seguro e de confiança, vamos substituí-lo porquê? Se não existe um problema para resolver, porquê mudar?

As respostas que obtenho, habitualmente, são duas. As questões ambientais, por causa do papel, e as questões da rapidez na obtenção do resultado. Sou sensível à primeira, de facto. Gostava que se gastasse menos papel. Mas, antes de tentarmos eliminar os boletins de voto por motivos ambientais, temos muito que fazer nessa área, portanto, chutemos essa questão lá mais para a frente.

Já quanto à segunda, o tempo de espera pelos resultados, até consigo compreender quando se trata de países gigantes, quase continentais. Se umas eleições em Portugal são um evento com uma logística desafiante, num país grande, a coisa é muitíssimo mais exigente e complexa. Mas em Portugal? Somos meia dúzia de gatos pingados, ainda por cima votamos cada vez menos, os resultados sabem-se no mesmo dia, o mais tardar no dia seguinte. Lá está, mais um problema que não precisa de ser resolvido.

Mas a minha objeção não passa pelo facto do atual sistema não precisar de ser mudado, nem apresentar nenhum problema que precise de ser resolvido.

 

O meu problema tem a ver com tudo o resto.

A começar pelo equipamento e respetivo software (idealmente software livre, que sempre é mais auditável, mas na maioria dos casos, software proprietário, em que a quantidade de gente que consegue auditar se resume e meia dúzia de pessoas). Quem assegura que não está vulnerável e comprometido? Não é qualquer pessoa, ao contrário do método atual, é preciso competências técnicas que estão muito longe do cidadão comum. Portanto, passamos de um esquema em que a auditoria é global, simples e acessível a qualquer pessoa, para um sistema em que a auditoria está ao alcance de apenas alguns. É logo um mau ponto de partida. Logicamente, mina a confiança.

E, mesmo que não estejam vulneráveis nem comprometidos hoje, o que é que me garante que não venham a estar amanhã, depois de uma atualização disto, ou daquilo?

A segurança dos equipamentos e das estruturas é uma ilusão. Qualquer pessoa que trabalhe na área da segurança informática, confirma isto. Há sistemas mais protegidos, há sistemas menos protegidos, mas não há sistemas invioláveis ou seguros a 100%. É o jogo do gato e do rato. Uns protegem, outros tentam furar. E os que protegem vão criando mais proteções, à medida que se vão identificando novas vulnerabilidades. E os que furam, vão continuando a tentar furar. É assim que funciona e é uma indústria de trilhões de euros (ou dólares, como preferirem).

A logística que o voto em papel apresenta a quem quer cometer uma fraude, é diametralmente oposta à logística de quem quer cometer fraude com voto digital. Se em papel precisamos de muita gente para causar, mesmo assim, pouco impacto e acaba sempre por se saber, com o voto digital é precisamente o contrário, pouca gente pode conseguir causar um grande impacto, e sem nunca se saber, porque não precisam, sequer, de estar no mesmo país onde decorrem as eleições que querem falsificar. Mínimo esforço, máximo impacto. Entram e saem, e o pessoal nem se apercebe de nada.

Contar os votos, em papel, é fácil. Facílimo. Já o fiz por duas vezes, em legislativas. Pode existir a dúvida pontual de "isto é válido?" mas é a clara exceção, e toda a gente vê, e toda a gente conta e confirma o número de votos de cada partido, e o número de boletins tem de coincidir com o número de eleitores cujo voto foi registado nos cadernos eleitorais.  Contar votos digitais é diferente. A máquina cospe um número, e a malta tem de engolir o número que a máquina cospe, sem qualquer possibilidade de validação ou dupla confirmação. Neste, como noutro casos, não engulas, cospe.

 

Já houve um teste com voto eletrónico em Portugal. Na altura passou-me ao lado. Foi em Évora, nas europeias de 2019. O relatório do MAI sobre a coisa pode ser visto aqui, mas tenho mais confiança no parecer da CNPD que foi demolidor. Tenho mais confiança na CNPD que, ao longo dos anos tem vindo a ser cada vez mais desautorizada (por ser incómoda), do que nos gajos do MAI que, de acordo com o seu próprio comunicado, pré-agendam uma atualização de segurança ao sistema não só para o dia das eleições, mas para o horário em que se esperava um pico de afluência às urnas. Não inspira grande confiança nem para a desmaterialização dos cadernos eleitorais, quanto mais para o voto eletrónico.

 

Portanto, para concluir, que isto já vai longo (parece que agora só consigo escrever testamentos), deixo-vos com dois vídeos, em inglês, de um gajo que apesar de um bocadinho acelerado de mais para o meu gosto, explica mais e mais profundamente os motivos dele, que são basicamente, os mesmos que os meus. Aqui, e aqui.

 

Voto eletrónico não resolve nenhum problema, não é seguro, não é confiável, não é universalmente auditável, não é desejável.

A crise do croquete

Jonasnuts, 18.06.24

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Tinha de ser, não é? A crise do momento. E como eu até percebo uma coisa ou outra sobre crises (dos vários lados das barricadas), vamos lá.

Uma das coisas que costumo dizer quando estou a dar formação sobre gestão de crises, é que a melhor forma de gerir uma crise, é evitá-la. Parece La Palisse, não é? Mas não.

E as crises evitam-se de várias formas.

Saber comunicar eficazmente, é uma forma de evitar crises.

Claramente, o Rock in Rio falhou neste capítulo, ao não comunicar eficazmente (ou ao não assegurar que os seus parceiros o faziam junto das respetivas equipas). Se o tivesse feito, nem a Sónia Tavares nem a Bárbara Guimarães teriam cometido o pecado capital de sonegar dois croquetes, um bocadinho de salada russa e uma imperial (o que, já agora, para menu de uma tenda VIP, deixa muito a desejar).

 

Ter a equipa ideal para cada função, é também uma forma de evitar crises.

Quem está a gerir uma tenda VIP tem de ter competências sociais, tem de ser bem educado, tem de ter a sensibilidade e o discernimento para saber que one size does not fit all, e tem de saber quem são as pessoas com quem está a falar. A situação descrita pela Sónia Tavares e pela Bárbara Guimarães é inadmissível independentemente da pessoa a quem tivesse acontecido mas, convenhamos, é mais grave do ponto de vista mediático, quando é uma pessoa com acesso a uma audiência senão massiva, pelo menos muito qualificada. Não reconhecer a Sónia Tavares nem a Bárbara Guimarães, quando se está à frente de uma tenda VIP,  é sinal de que não se tem as competências mínimas para desempenhar essas funções.

Mas, apesar de tudo, há crises que não se podem evitar. Vamos supor que esta é uma dessas, uma das inevitáveis (que não era).

Uma vez partilhada publicamente a situação, há que fazer o damage control (ou o spin, que é outra forma de damage control, mas que aqui não caberia). Para se fazer isto, é preciso ter um bom departamento de relações públicas que tenha gente com capacidade para saber que é preciso avaliar os dados e o potencial do estrago, têm de ser locais ou de conhecer as idiossincrasias da população. Quem são as pessoas envolvidas? Têm muita audiência? Têm acesso a muitos profissionais de comunicação? Têm capacidade de amplificar a crise? Têm amigos em lugares poderosos? Têm pelo na venta?

Erros toda a gente comete. Só não erra quem não faz nada. A forma como se gere esse erro, e como se lida com o falhanço é, muitas vezes, outra forma de mitigar uma crise. Já aconteceu, já não a podemos evitar, mas podemos de imediato cortar-lhe as pernas (ou as asas, como queiram) e impedi-la de escalar.

É sempre a minha segunda recomendação. Mitigar, mitigar, mitigar. Estancar a hemorragia. E fazê-lo de forma proporcional.

Neste caso, o Rock in Rio deveria ter, através da sua cara mais reconhecível, Roberta Medina, falado de imediato com as visadas, de preferência pessoalmente, ao vivo e a cores, pedir desculpas, explicar que se tinha tratado de um erro e que a pessoa em causa tinha sido recambiada para funções mais compatíveis com as suas competências. Deveria ter oferecido meia dúzia de pulseiras VIP a cada uma delas. E depois de o fazer em privado, deveria tê-lo feito em público, de forma categórica e rápida.

 

Mas não, a organização do Rock in Rio faz um comunicado muito frouxo, que refere a coisa de forma muito light alegando "excesso de rigor e falta de sensibilidade... ...no momento da abordagem a Sónia Tavares e Bárbara Guimarães, e apresenta um pedido de desculpas pelo desconforto..." Um comunicado da organização. Não assinado. Ora, este comunicado serviria se as pessoas em causa fossem o Zé das Iscas e a Tina das Batatas. Não serve para a Sónia Tavares e muito menos para a Bárbara Guimarães. Não foi proporcional.

Só muito mais tarde, demasiado tarde, quando já é impossível mitigar seja o que for, estancar sequer um arranhão, quanto mais uma hemorragia, Roberta Medina faz uma story, mencionando as duas ofendidas, dizendo que vão rever os procedimentos (provavelmente a questão da comunicação juntamente com mas competências das pessoas que gerem o espaço, de que falo ali em cima), justifica levemente a atitude com a "pressão de um evento desta dimensão" (e não o devia ter feito), e pede desculpas, num texto para o qual não teve qualquer assessoria de comunicação ou, se teve, pelo amor da santa, mudem de assessor.

Esta story de Roberta Medina, vá, mais bem escrita, poderia ter surtido efeito se tivesse sido partilhada imediatamente a seguir, e não no dia seguinte. Assim, too little, to late.

A fúria mediática e a máquina de produzir conteúdos com base na atualidade encarregar-se-á de chupar o osso até ao tutano. E bem, que se puseram a jeito.

A Joana Marques já lhe deu um tratamento exemplar, no seu "Extremamente Desagradável", no programa das manhãs da Rádio Renascença, que está no top 3 das audiências portuguesas e cuja responsável, a Ana Galvão, por acaso, até participa num programa da Sic Mulher com a Bárbara Guimarães e com a Pipoca  chamado, muito oportunamente, "Temos de falar"(aquela coisa do "Têm acesso a muitos profissionais de comunicação? Têm capacidade de amplificar a crise? Têm amigos em lugares poderosos?" amplamente respondida).

O Lidl já tratou de capitalizar, bem e com piada, reagindo até antes da organização ter pedido desculpas. A equipa de comunicação do Lidl a ler a coisa muito melhor e mais rapidamente que a equipa de comunicação do Rock in Rio.

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O Licor Beirão, a mesma coisa (embora mais tarde).

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Aguardemos pela Control, que costuma apanhar estas boleias com muita piada.

Os memes estão ao rubro, partilhados no Instagram, no Twitter, no Facebook, no TikTok.

O Rock in Rio não pode agora fazer mais nada. É esperar que morra. O mais que pode fazer é evitar a próxima, lá está, seguindo as minhas recomendações ali de cima. Aprender com o que aconteceu. O que já não é mau (conheço mais do que um caso em que não aprenderam absolutamente nada e ainda se armaram em vítimas da sociedade woke - " também pá, já não se pode fazer nada").

Mesmo assim, acho que o Rock in Rio acaba por ter alguma sorte. Podia ter sido pior.

Podia a senhora que expulsou a Sónia Tavares e a Bárbara Guimarães ter estado de turno quando a Pipoca se afiambrou às gomas. E se tem tocado esta rifa à Pipoca, a coisa teria piado substancialmente mais fino. Lá está, aquela coisa do pelo na venta.

Numa próxima oportunidade, olhem..... contratem-me.

Mas antes, que eu prefiro (ensinar a) evitar crises, a geri-las.