Correr
Eu tenho uma irmã. A minha irmã é maluca e mais nova que eu, 3 anos. A minha irmã, entre muitas outras coisas, corre. Sempre correu, desde miúda. Sempre gostou. Há uns anos começou a correr mais a sério, e a treinar, e a fazer provas.
Diz-me a minha irmã que correr, em Portugal, é uma dor de alma. Sobretudo a partir do momento em que se faça provas fora de Portugal e se tem o termo de comparação.
A minha irmã fez a primeira maratona em Barcelona, no ano passado. Diz que nos 42km da prova, não houve um metro em que não tenha havido apoio de quem estava a assistir, ao longo do percurso.
Esta coisa de apoiar quem corre é um programa de família. Sai tudo de casa de manhã, e vão para um ponto do percurso, com cartazes e boa disposição, e gritam por quem passa. Não que os conheçam de algum lado, mas gritam na mesma. Às vezes, quando os dorsais têm os nomes dos atletas, quem grita, chama pelo nome; "Ânimo Ana". Diz que ajuda.
Em Portugal, povo que gosta de apresentar-se como festivo, as corridas têm o ambiente de um funeral, e às vezes nem isso, que todos sabemos que não há como um velório para que o português mande umas larachas e conte umas piadolas. Esta parte, do ambiente de velório nas corridas, em Portugal, sei por experiência própria, porque sempre que a minha irmã corre perto, lá vou eu, apoiá-la. Tudo caladinho, à passagem dos atletas. Só olham. Ninguém bate palmas, ninguém ri, ninguém grita.
De vez em quando lá aparece um maluco, que manda uns gritos de apoio, mas os poucos que por ali estão parados olham de forma tão insistente que o coitado não tem outro remédio senão calar-se. É a pressão silenciosa.
A minha irmã diz que correr fora de Portugal é uma festa, correr em Portugal é silencioso. Silencioso não. Ouve-se o ruído dos ténis no asfalto. Ouvem-se as escarradelas dos homens. Ouvem-se as fungadelas de toda a gente. Descreve-me outras coisas que não se ouvem, mas que se cheiram e às quais vos poupo, porque é tudo muito escatológico (parece que há malta que não é amiga do banho, e que é, por outro lado, amiga do pum).
Sempre que vou ver passar a minha irmã junto-me ao coro silencioso e fico ali, a olhar, a ver se a vejo, no meio de toda aquela gente vestida de igual e que passa demasiado rápido. Às vezes são rebanhos........ descobrir uma pessoa numa manada de gente toda vestida de igual é difícil. Normalmente é ela que me descobre a mim.... "João" grita. E eu vejo-a, rio-me, grito-lhe "Vais ganhar" e pronto, já passou. E olho à minha volta e vejo as pessoas a olhar para mim..... esta maluca, tanta gente que já passou e ela está a dizer que a outra vai ganhar. São burros. Não percebem que ela ganha sempre.
Ando há que tempos para escrever este post, aliás, ando há que tempos a pedir à minha irmã que me escreva este post, na perspectiva de quem corre, mas ela, lá está, porque está sempre muito ocupada, tem mais que fazer. Apanho a boleia da Cocó, que vai correr amanhã e que pede ajuda.
Amanhã vai estar um bom dia para correr uma maratona. Pouco vento, nada de muito calor. Uma chuvinha molha parvos até pode servir para refrescar. Vamos apoiar quem corre? Já há quem esteja a organizar grupos de apoio, é ver aqui.
A minha irmã não vai correr. Mas vai apoiar. Eu aproveito que é de manhã, está tudo a dormir cá em casa, e vou com a minha irmã. Duas malucas, ao pé da antiga fil? Somos nós :)
Deixo-vos com a foto da minha irmã, a cortar a meta da sua primeira maratona, em Barcelona. A melhor foto de meta que já alguma vez vi na vida.
(Este foi o tempo que fez em 2014 em Barcelona. No mês passado, na de Berlim, já quase baixou das 4 horas (04:03:09).