Os complacentes
![]()
Tenho este post atravessado, e refletido, há bastante tempo. Meses.
Porque se no passado rapidamente dispararia um post, hoje em dia sou substancialmente mais ponderada. Protejo-me, resguardo-me, e só vou a jogo com coisas que acho verdadeiramente importantes.
Então os complacentes, não é verdade?
E quem são os complacentes?
São os principais responsáveis pelo estado a que isto chegou, como diria Salgueiro Maia.
São as pessoas que até têm convicções, valores e princípios como deve ser, mas que optam por os silenciar, amornar, moderar e esconder, a bem do que consideram ser a paz social (ou profissional, ou familiar, escolham o que melhor se apropriar ao vosso contexto).
São aqueles que evitam manifestar as suas convicções em público, sobretudo na presença de pessoas cujas convicções, valores e princípios deixam muito a desejar.
A bem de uma paz (podre), vão-se calando.
"Parece mal"
"No fundo, são boas pessoas, só têm este problema"
"É mais o que nos junta do que o que nos separa"
"Não é este o momento para se ter esta conversa"
É culpa dos complacentes que certos discursos, que já vi mais envergonhados, estejam a regressar com confiança. Sem vergonha, sem filtros, até de forma provocatória.
Já vi o racismo mais envergonhado do que o vejo hoje.
O mesmo com a xenofobia.
A transfobia, enfim, essa nunca chegou a esconder-se e está cada vez mais assanhada.
A misoginia? Se até temos o atual governo a encabeçar o esforço do regresso ao passado, com os atestados para amamentação, ou a revisão da lei do luto gestacional, é natural que haja quem sinta a sua misoginia validada e com rédea solta para a exibir. E para a exercer; basta olhar para os números da violência em contexto relacional e ouvir as inenarráveis e ignorantes declarações do atual primeiro-ministro acerca do tema.
Muitos ismos e muitas fobias têm mostrado regressos fulgurantes.
E se muitos destes regressos se devem à desinformação, à ignorância, ao emprenhamento auricular (isto é tudo sinónimo, mas pronto), não é despiciente o contributo dos complacentes.
Porque se a esta gente racista, no momento em que está a proferir os dislates, lhes cair alguém em cima, de forma assertiva, com a veemência de quem não admite merdas, se nesse momento ouvirem um "não" categórico, não é que eles deixem de ser racistas, que não deixam, mas pelo menos não se sentem tão à vontade. O ambiente melhora imediatamente.
Os complacentes optam por valorizar o "Eu não sou xenófobo...", em vez de valorizarem o que vem a seguir, o "....mas...." que é o que corresponde à realidade.
Os complacentes ouvem alguém a dizer "eu sou racista", e optam por sorrir, com aquele ar "não façam caso, ele é ótima pessoa, só é tonto", são responsáveis, culpados por associação.
Os complacentes que optam por manter no seu círculo pessoas que são manifesta e assumidamente defeituosas em matérias de direitos humanos são, eles próprios, defeituosos.
Esta é uma daquelas raras matérias em que não há cinzentos, em que não há degradés, em que não há a menor possibilidade de compromisso ou transigência.
E se há temas em tenho feito um esforço para ser mais tolerante, compreensiva, empática e transigente, este não é um deles.
Nem nunca será.
Porque, se és racista ou xenófobo ou etc..., ou aceitas ter no teu círculo pessoas destas, às quais vais acenando que sim enquanto elas proferem barbaridades, então não...
... não é mais o que nos junta do que o que nos separa.