O Charlie é mais sexy que o Carlos
Já se escreveu tudo o que havia para escrever sobre o ataque terrorista à revista Charlie Hebdo, pelo que não vale a pena estar aqui a escrever sobre o assunto.
Vale a pena, para mim, escrever sobre dois temas relacionados, nenhum deles propriamente novidade aqui na chafarica.
A primeira, e mais rápida, tem a ver com a forma como tive conhecimento do que estava a acontecer. Pelo Twitter, evidentemente, uma boa hora e meia (para ser simpática) antes de ver a coisa referida em qualquer órgão de comunicação social tradicional. Ao longo do dia (e do dia seguinte e, provavelmente hoje também), sempre me mantive actualizada pelo Twitter, e sempre soube mais e mais cedo do que teria sabido se tivesse acompanhado a coisa de outra forma. Não é novidade, mas fica a nota.
A segunda tem a ver com a quantidade de "Je suis Charlie" que vi espalhados pelo Facebook e pelo Twitter e pelos Blogs e pelos jornais e em todo o lado. Muito bem, acho lindamente que nos solidarizemos com as vítimas do ataque. Quer as vítimas humanas quer as não humanas (a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, o islão, etc....).
Mas gostava que, além de serem Charlie, as pessoas também fossem, no seu dia-a-dia, sem ser preciso que morra gente, Carlos.
É que defender a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa lá nas franças é fácil, e bonito, e hipster (e importante), mas mais difícil é fazê-lo no seu dia-a-dia, por estes lados.
Ao longo dos anos que levei a gerir serviços de user generated content foram inúmeras as tentativas de remoção de opinião alheia, com que não se concorda. Não havia semana em que não se recebesse um mail, a pedir para que se removesse a Homepage A, o Blog B, ou o comentário C porque aquilo que lá estava escrito insultava (o autor do mail, o seu partido, a sua religião, a sua empresa, a sua mulher, a vizinha, o gato, o cão, whatever).
As pessoas gostam muito da liberdade de expressão, desde que a liberdade expresse opiniões politicamente correctas e com as quais estejam de acordo. É fácil defender a liberdade de expressão, assim. Difícil é quando não concordamos.
Portugal é uma democracia muito nova. Demasiado nova. Longe de estar amadurecida. Um programa como o do Jon Stewart, o do Stephen Colbert, o do Bill Maher, ou mesmo o do John Oliver seria impossível em Portugal. Não só isto é muito pequenino e toda a gente conhece toda a gente, mas também não temos maturidade democrática para conviver pacificamente com a mordacidade que pode morder-nos os calcanhares.
Pior ainda quando as coisas não são feitas às claras. Não há um mail, há um telefonema, para pessoas, a exigir que se apague isto ou aquilo ou aqueloutro, com ameaças veladas, mas com um sorriso nos lábios.
Gostava muito que todos os Charlie que nasceram ontem, pudessem ser mais Carlos, no seu dia-a-dia.