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Jonasnuts

Jonasnuts

Anatomia de um fact checking

Jonasnuts, 02.03.25

Não é de hoje, o meu interesse pela comunicação, pela forma como os conteúdos são disseminados, pelos fenómenos de desinformação, etc. Desde sempre o meu foco foi nas pessoas normais. No papel que temos, nós, cidadãos comuns, apenas com acesso aos mesmos recursos que toda a gente (ferramentas de publicação e de partilha - homepages (para ir mesmo ao início), blogs e seus sucessores, redes sociais, plataformas de messaging, etc.).

Claro que os meios de comunicação social, os sites institucionais, e as plataformas de grandes produtores de conteúdos têm importância, mas sempre dediquei a minha atenção ao poder da pessoa comum, no fundo, ao meu poder enquanto ser humano.

Sobretudo nos últimos três anos tenho lido, pesquisado e investigado muito o tema da desinformação, que elegi como principal inimigo da nossa sociedade. Confesso que quis aprofundar o meu conhecimento para tentar desenganar-me, dediquei-me a provar que estava enganada. Não consegui. Na realidade, quanto mais sei sobre o assunto (por via do que leio em livros, jornais, revistas, estudos, ensaios, blogs (que agora já não se chamam assim), substacks, etc.) mais me convenço de que este é O tema, A batalha, O inimigo a abater.

Provavelmente por causa disso e por causa "do estado a que chegámos"*, tenho cada vez mais atenção ao que dissemino, ao que partilho. Antes era mais rápida no gatilho, a fazer RT ou QRT (formas de partilhar conteúdos de terceiros, em plataformas como o Twitter, o Mastodon, o Bluesky - os nomes diferem de plataforma para plataforma, mas eu uso terminologia única). Se via uma coisa divertida, gira, interessante, ou que considerasse bombástica, proveniente de uma fonte mais ou menos confiável (e às vezes nem isso), partilhava.

Hoje em dia, tento não fazer isso. Ou melhor, não o faço com a ligeireza de antes. Continuo a cometer erros (que têm a ver na maioria das vezes com o facto de confiar em alguém que não merece essa confiança, ou que também se enganou), mas tenho mais cuidado. Estou muito mais alerta. Em primeiro e destacadíssimo lugar, em relação ao que partilho, mas também ao que outros partilham. Sou hoje muito mais sensível em relação à disseminação de desinformação (e das suas variantes malinformation e misinformation para as quais o português não tem equivalência, por meter tudo no mesmo saco).

Uma pessoa que partilhe uma cena falsa/errada, que seja avisada de que é falso/errado (com links e provas e tudo), e mantenha a coisa online, recebe um unfollow. Acredito que os nossos follows contribuem para credibilizar e para reforçar a reputação de quem seguimos, logo, seguir uma pessoa que opta de forma consciente por disseminar desinformação é, de certa forma, contribuir para o problema. Unfollow é a única alternativa. Só para verem o estado de intransigência a que cheguei :-)

Todo este parlapié para contextualizar a minha noite de ontem :-)

Por volta das 11 da noite, aparece na minha timeline do Bluesky um RT da Alex Silvestre, de um post da conta Canadian Resistance, que por sua vez fazia QRT a um post de um Brian Tyler Choen (ufa).

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A vontade de fazer RT ao RT da Alex foi imediata. Aliás, tive a coisa pronta, só faltou clicar no "Repost". Mas o meu sentido de aranha apitou e eu decidi ir atrás. Reli o "post" da Haltbakk Bunkers, e achei que usava uma linguagem muito pouco institucional. Também não reconheci o layout da rede social em que o post tinha sido, alegadamente, feito.

A conta Canadian Resistance, por muito que o nome apele e agrade, deixa-me à partida de pé atrás. Segue quase tantas contas como as que a seguem e não permite comentários por parte de toda a gente. Descartei.

Fui olhar para o perfil de quem partilhava originalmente a coisa. O tal Brian Tyler Choen. Bom, seguidores não lhe faltam, mas quantidade de seguidores não é critério, para mim. O resto que fui saber dele não me permitiu catalogá-lo como fonte credível. "American progressive YouTuber, podcast host, author, political commentator, actor and MSNBC contributor", na wikipedia. Descartei.

Segui para o site da empresa que, felizmente, tem uma versão em inglês. O meu norueguês não é grande coisa (embora tenha melhorado, entre ontem e hoje).

Nenhuma referência à coisa, no site da empresa. Há uma página de facebook linkada no site, portanto, esta é a rede social oficial (entretanto apagaram a conta, ou foi suspendida, mas ontem estava disponível). O último post era de finais de fevereiro, com uma foto ou um vídeo de um barquinho e umas animações e leterings um bocado farsolas, nenhum texto a acompanhar (embora já lá tivesse um comentário a dizer "Boycotting Norway  ou coisa do género). Mas da declaração bombástica a dizer que deixariam de abastecer americanos, não havia sinal. Descartei.

Decidi então procurar notícias da coisa. Algo que já tinha umas horas, de tão grande impacto (pelo menos mediático), já deveria ter sido referido nas notícias.

Pesquiso no google pelo nome da empresa e vou à tab "news". À hora a que fiz esta pesquisa, havia 4 resultados (neste momento há 5 páginas deles). A mais antiga, de 2022, referindo que a empresa se tinha recusado a abastecer um iate russo. Indicador positivo.

As restantes três tinham apenas algumas horas e referiam o caso de recusa de abastecimento aos americanos. Eram esta, esta e uma do The Gateway Pundit que não linko, porque é um site que espalha desinformação.

Do UKDJ nunca tinha ouvido falar, apesar de parecer uma coisa de jeito. De qualquer forma, não tinha links, não tinha indicação de que tivesse tido acesso à informação em primeira mão, referia a declaração emitida pela empresa mas não indicava como é que lhe tinha tido acesso, não creditava fontes primárias. Descartei.

O Daily Express conheço, sei que não é um daqueles sites a imitar OCS e que, vai-se a ver, é um gajo e meia dúzia de estagiários, com um design que induz em erro, propositadamente feito para gerar credibilidade por associação gráfica (um bocadinho como aqueles comunicados do partido errado, onde usam um interface gráfico de órgãos de comunicação social tradicionais, para enganar o pessoal - mais uma forma de desinformação).
O artigo do Daily Express já acrescentava qualquer coisinha, apesar de continuar a ser um artigo de "ouvimos dizer". Já dizia que a declaração tinha sido "posted on social media...." e, o mais relevante de tudo, referia uma fonte, o Kystens Næringsliv.

Ora...... Kystens Næringsliv (que neste momento está atascadíssimo) está todo escrito, imagine-se, em norueguês. O meu norueguês não é grande coisa (é inexistente obviamente), mas mesmo assim, consegui identificar a notícia, não só por causa de algumas palavras que se conseguem perceber "moralsk kompass", "sosiale medier", "Trump", "amerikanske presidenten og hans visepresident", "krainas president Volodymyr Zelenskyj", mas sobretudo porque eu já tinha ido atrás no CEO da Haltbakk Bunkers e já lhe conhecia a cara.

Mas o Kystens Næringsliv podia ser o The Onion lá do sítio, não é? Parece que não mas entre a dependência do google translate e a ausência de mais fontes, hesitei.

Nesta altura, na sequência de mais pesquisas e de tentativas de validação, era evidente que a coisa se estava a disseminar muito rapidamente, e vejo imensas referências, partilhas e comentários em todo o lado. Para além do Bluesky, Twitter, Facebook, Reddit, até no assético Instagram eu encontrei menções sobre o caso. Sempre sem links, sem créditos, sem qualquer forma de verificação e validação.

Era também imensa a diversidade gráfica dos screenshots que fui encontrando, alegando serem os do comunicado da empresa, entretanto alegadamente apagado.

É nesta altura que desabafo, no Bluesky, sobre a rapidez com que isto se está a disseminar, e com a minha dificuldade em validar a coisa.

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Começo a receber feedback e contributos imediatamente (alguns entretanto apagados, curiosamente).

Mais gente com as mesmas dúvidas, e com o mesmo trabalho de fact checking feito. Entre todos, conseguimos chegar à origem da coisa, validá-la, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista linguístico, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista da diversidade e redundância.

O fasf falou com colegas noruegueses.

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O Luís Galrão, profissional da coisa, também já tinha andado a cuscar.

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E o Zé à Esquerda validou a tradução do primeiro artigo norueguês. Screenshot 2025-03-02 at 14.17.02.png


E a diversidade de fontes credíveis, aqui, aqui e aqui (tudo em norueguês, benza-os deus, que aquilo é indecifrável).

Entre todos, e com mais alguns contributos, pudemos validar a coisa, dá-la como suficientemente credível para que pudesse ser partilhada de forma confortável.

O processo todo demorou uma hora e picos. Quando concluí(mos) pela veracidade da coisa, já havia mais algumas notícias (todas em norueguês), mas havia sobretudo, milhares e milhares de partilhas, em várias redes (nem fui ver ao tik-tok) de algo que, sendo verdadeiro, levantava muitas dúvidas.

Se isto fosse mentira, teria sido impossível repor a verdade.

E é assim que se espalha a desinformação, na velocidade a que o pessoal partilha cenas, para ser os primeiros, para sentir relevância (?), ou sei lá para quê, para dizer a verdade acho que pode ser apenas a vertigem da presença numa rede, e a "obrigação" ou a pressão para dizer coisas.

Mas, neste caso, até é verdade e, por isso, caro Gunnar Gran, muito bem, fantástico, venham daí esses ossos. 

 

 

 

* Salgueiro Maia. 25 de Abril de 1974. Escola Prática de Cavalaria - Santarém. "Há diversas modalidades de Estado: os estados socialistas; os estados corporativos e o estado a que isto chegou! Ora nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos. De maneira que quem quiser vem comigo para Lisboa e acabamos com isto. Quem é voluntário sai e forma. Quem não quiser vir não é obrigado e fica aqui." 

A invasão dos perfis falsos

Jonasnuts, 12.04.20

No dia 18 de outubro de 2018, o Seufert fez um tweet.

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O tweet teve algumas respostas, um RT, 19 likes e ficou por ali.

Eis senão quando, anteontem, entra uma conversa estranha nas minhas mentions que, seguindo a thread, desembocava no tweet de 18 de outubro.

Era uma resposta semi-incendiária, que tentava ser provocatória.

Fui ver. A conta de twitter em causa foi criada em fevereiro de 2020. Referencia um blog, com imensos posts e imagens e tudo e tudo e tudo, mas é monotemático e relativamente recente; como se sabe, qualquer plataforma de blogs permite a publicação de posts com data passada. Num blog que suscite dúvidas quanto à sua data, normalmente o tira teimas passa pela data dos comentários. Este blog não tem comentários.

E depois, há o cheiro. Cheira a perfil falso.

A minha reação foi imediata.

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Não recebi qualquer resposta, mas os tweets (eram dois) foram apagados. Mas a conta não.

Mais gente se tem queixado da pouco subtil proliferação de perfis falsos de twitter. 


No Twitter são mais fáceis de identificar, mas também no Facebook passei a receber, nas duas últimas semanas, mais pedidos de amizade e, como já não sou a meretriz de outros tempos, agora escrutino os perfis que me pedem amizade e são mais os que declino do que os que aceito.

Para que se estará esta gente a preparar? 

Não sei, mas preparemo-nos nós também.

Fake news

Jonasnuts, 31.03.20

Não gosto do termo "Fake news" porque é enganador. Prefiro a versão portuguesa, "desinformação" porque é mais esclarecedora.

Mas o "Fake news" pegou e as pessoas acham que o seu significado é literal, e que se trata de notícias falsas. Mentiras. Erros crassos. Aldrabices. Não é disso que se trata.

 

Trata-se de veicular informação, e não é preciso que sejam notícias, que manipula a opinião pública, normalmente com alguma relação com a verdade, e com objetivos pouco óbvios. Podem ser económicos, sociais, políticos ou todos os acima referidos.

Vem isto a propósito de algo que vi partilhado no Facebook ontem, por várias pessoas (uma das quais não acho que seja imbecil).

 

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Ora..... esta pessoa, e mais as 44 que partilharam a coisa, só neste post, defendem que os países que usam máscaras são os que mostraram mais eficácia a limitar a propagação do vírus. À pergunta, "então e a China, que quando alguém espirra corre tudo a máscaras?" respondem que é diferente, porque "o que quer que lhes ocorra no momento".

O gráfico é produzido pelo Financial Times, e com um contexto completamente diferente, como é óbvio. 

A partilha vem com link, para um site chamado, muito apropriadamente, Masks Save Lives com um endereço maskssavelives.org (sem link que eu não contribuo diretamente para estes merdas). 

Uma investigação básica a este "site" mostra-me que não tem um "about", mostra-me que tem um endereço de mail de contacto que é um gmail e mostra-me que é um domínio criado há 3 dias.

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E as pessoas, mesmo com estas pistas todas a gritar "desinformação" decidem partilhar, achando que correlação é causalidade.

 

Reparem...... não estou a falar do zé das iscas.....estou a falar de pelo menos um professor universitário e de pelo menos um advogado e não tive pachorra para andar a chafurdar nos perfis daquela gente toda que partilhou a coisa, para descobrir o que fazem na vida.

 

A sério..... esta gente existe? Esta gente vota? Esta gente reproduz-se?

 

Já que pelos vistos sim, eu conheço um príncipe nigeriano que gostava de lhes apresentar.

Os nós nas redes, somos nós

Jonasnuts, 15.07.16

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Uma rede é constituída por nós.

 

Numa rede social, os nós, somos nós. Uns maiores, outros mais pequenos.

 

Uma rede social é algo orgânico, que funciona tão bem e tão mal quanto o melhor dos nós e o pior dos nós. O melhor de nós e o pior de nós.

 

Ontem à noite, muitos dos nós de que eu fazia parte, optaram por partilhar boatos, fotos, vídeos, emprenharam rápida e auricularmente. Disseminaram desinformação. Não atenderam aos pedidos, provenientes de várias origens, para ter cuidado com o que se partilhava. A desinformação é um inimigo poderoso.

 

Esses nós já não fazem parte dos meus nós. Limpeza higiénica, que de um grande mal pode resultar um pequeno bem.

 

Posto isto, a minha dúvida é, continua a ser, como é que eu explico isto ao meu filho?

 

Expliquem-me.