Haiti
Assim que li a primeira notícia sobre o sismo vi logo o filme todo. Foi só saber a localização e a distância da terra mais próxima, e soube exactamente qual ia ser o percurso da coisa. Mais danos menos danos, mais mortos menos mortos, mais miséria menos miséria, é sempre a mesma coisa.
Estas coisas têm vida própria, muito própria e parece que as coisas já estão todas ditas e escritas, na sua sequência exacta, estão ali à espera que a coisa aconteça para que alguém prima o botão "publish" ou "print" ou "play". É isto a experiência? Saber exactamente qual é a sequência das notícias? É tenebroso saber que vai piorar, antes de começar, lentamente, a ficar menos mau.
Fujo das notícias, neste momento. Não consigo escapar a todas, os Blogs e o Twitter não deixam, mas preservo-me. Não quero ver imagens, penosamente dolorosas, porque sou impotente. Ajudei no que pude, no que esteve e está ao meu alcance, mas para além disso, fujo.
É isto a experiência? A idade? Ou é simplesmente uma recusa de voyeurismo? Não tenho pedal para ver um pai ou uma mãe agarrados ao filho morto, ou vice versa. Os montes de cadáveres. E, acima de tudo, a miséria humana em todo o seu triste esplendor. Não é o sismo que me abala as entranhas, são as pessoas más.
E essas existem, com ou sem sismos.
Acalmem-se, daqui a um ou dois dias começam a chegar as notícias dos milagres de sobrevivência debaixo dos escombros e pronto, é lá longe, podemo-nos esquecer, podemos voltar às nossas vidinhas, descansados e apaziguados com os milagres.