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Jonasnuts

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José Joaquim Pereira (mãe, não leias isto)

Jonasnuts, 17.02.08
José Joaquim Pereira, assim, simplesmente, se chamava o meu avô materno.

Tive dois grandes avôs, por sinal até tive 3, mas um deles não sei se era grande, porque nunca o conheci. Os dois que conheci eram grandes, cada um à sua maneira, e os dois tão diferentes um do outro que eu sempre achei que viviam em universos paralelos, e provavelmente viviam mesmo.

Um post do Markl recordou-me o meu avô Zé. Diz o Markl que viu um filme qualquer em que lhe apeteceu gritar ao projeccionista para passar outra vez uma parte. E isto lembrou-me o meu avô, porque ele foi projeccionista, em mais do que um cinema. Mas não foi só isso, foi tantas coisas mais.

Acho que o que melhor definia era ser do contra. Ia quase sempre no sentido oposto do da manada. Acho que essa deve ser a característica que herdei, daquele lado. Nunca foi um avô muito presente, andava sempre em filmagens, em África (sim, era operador de câmara), e também fazia fotografia. Uns anos mais tarde, já a trabalhar em publicidade, descobri que ser neta do Zé Pereira fazia de mim uma pessoa especial. O meu avô ensinou muito, a muita gente.

Nunca me oferecia prendas no meu aniversário. Mas sem data marcada apareciam assim umas coisas estranhas. Uma vez ofereceu-me um relógio Sharp, quando ainda não havia relógios digitais em Portugal. Era um relógio de homem, que tinha por missão mostrar o potencial do seu som. Sabem aqueles toques irritantes de telemóvel na era pré-polifónico? Era assim o meu Sharp. Um sucesso, no meu 7º ano.

Tinha uma pachorra desgraçada, às vezes. Uma vez passou dois dias inteiros, comigo, em casa, a encadernar um trabalho da escola. Sim, também foi encadernador. O resto do pessoal entregou umas folhinhas, eu entreguei um livro, com lombada e tudo. À séria.

Desaparecia com frequência. Sabem aquela história do homem que diz à mulher que vai comprar cigarros e volta 3 anos depois, porque esteve não sei onde? É o meu avô, e esteve na Guiné, em filmagens. Os cigarros eram SG Filtro.

Tinha histórias fantásticas, loucas, inverosímeis às vezes. Conhecia toda a gente, esteve em todo o lado e tinha sempre opinião. Ligava pouco a convenções.

Na fase final da sua vida estava preso, coisa que detestava, à obrigatoriedade de fazer hemodiálise. O caso clínico do meu avô, nos Estados Unidos, teria feito de nós milionárias, coisa que lhe agradaria muitíssimo, porque nunca teve um tostão, mas sempre jogou, primeiro no totobola, e depois no totoloto. Com chaves que podiam entrar. Imagino a loucura que seria com o Euromilhões. Esta mania não fui eu que a herdei :)

Nunca tive pena do meu avô. Mesmo nos últimos anos em que a coisa não corria muito bem, fisicamente. Também nunca o ouvi queixar-se.  Mas porra, fartou-se de viver e de curtir. Nem sempre as coisas lhe correram de feição, mas lá viver, ele viveu.

Curioso, ao escrever este post descubro que tenho mais do meu avô do que aquilo que pensava. Descubro também que tenho saudades.

Gostaria destas coisas da Internet. Imagino-o frenético, a comentar posts, e a falar das suas histórias. Um Blog do meu avô seria extraordinário. Uma relíquia histórica, com pontos de vista muito peculiares, de quem viveu mais do que a maioria.

Ainda me lembro da cara de puro deleite quando pegou na câmara de vídeo (das primeiras que apareceram, uma Sony pesadíssima, mas mesmo assim uma pena, comparada com as que ele costumava andar), olhava fascinado, e o foco automático sempre o deixou por um lado curioso, por outro de pé atrás.

Um dia desafio a minha mãe e a minha irmã, para construir o arquivo possível das suas memórias.

Tenho pena que o meu filho não tenho conhecido o meu avô, e tenho pena que o meu avô não tenha conhecido o meu filho. Ficaria inchado de orgulho, por saber que o Pereira continuava, pujante, num varão que dará continuidade ao apelido. Foi também por causa disto que dos meus apelidos todos, o que escolhi para o meu filho foi o Pereira.

Um dia cato uma foto do meu avô e ponho-a aqui. Talvez se avançar o tal arquivo esse possa ser o momento inaugural.

Ah, e antes que me esqueça, e para que fique o registo histórico da coisa, o Manoel de Oliveira, ao contrário do que se pode ver na ficha técnica,  não realizou o Aniki Bobó.

Fogo à peça.

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