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Jonasnuts

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Não gosto de poesia, mas sobretudo, não gosto do Alexandre O'Neill

Jonasnuts, 16.10.07
Tenho essa lacuna na minha alma. Não sou uma apreciadora fácil de poesia. Gosto de algumas coisas, mas não é um autor em específico. São umas coisas daqui, outras coisas dali, e não tem a ver com estilos. É-me difícil incorporar a poesia. E depois, precisamente porque o meu sentido artístico no que diz respeito à poesia não é nada apurado, não consigo distinguir a boa da má. É um problema.

Há uma forma de eu gostar de poesia, mas tem de ser com boleia, boleia da música. Se for um poema com música, já gosto, e já consigo distinguir os bons dos maus poetas. Pelo menos no que diz respeito ao meu gosto pessoal. Basicamente, sei o que me toca e o que não me toca.

Depois há um problema. Temos os consensuais. Aqueles poetas que toda a gente louva e toda a gente admira, e quando eu digo toda a gente, refiro-me obviamente a quem tem gosto apurado para esse tipo de coisas. Por exemplo, toda a gente diz, e eu acredito, que o Alexandre O'Neill foi um dos nossos maiores poetas. E eu volto a acreditar. O problema é que o meu caso com o Alexandre O'Neill é pessoal.

Eu devia ter, vamos, 10 anos. 10 anos é uma idade muito precoce para se reconhecer um poeta. Mas eu reconheci-o. Estava a almoçar com o meu pai na Tasca do João, ali para os lados do Lumiar. Coisa rara, poder almoçar com o meu pai, e ainda por cima fora. Não me lembro se era algum acontecimento especial, mas devia ser, naquele tempo, almoçar fora era significado de um acontecimento muito especial. Não me lembro.

Sei que estava sentada à espera que chegasse a minha comida, e vejo o Sr. Alexandre O'Neill a entrar, acompanhado por uma senhora. Senta-se 2 mesas ao lado da minha. Eu tremia de excitação. Falei com o meu pai e confirmei - Ó pai, é o Alexandre O'Neill, o poeta, não é? O meu pai confirma, com um ar surpreendido do tipo "mas como é que uma miúda reconhece um poeta?".


Eu era uma miúda tímida. Tímida de não falar com estranhos, nem mesmo se eles me dirigissem a palavra. Tímida de me esconder atrás das saias da minha mãe, ou do meu pai (neste caso, das calças), porque tinha vergonha. De tudo, e mais alguma coisa.
Mas achei que um poeta era uma pessoa importante. Achei que ter um autógrafo de um senhor poeta, que eu tinha reconhecido, era um tesouro pelo qual eu estava disposta a ultrapassar a minha timidez.

Perguntei ao meu pai se podia, e ele torceu o nariz - "não vás incomodar o senhor, que ele está a conversar". Eu insisti, e lá veio a autorização. Pedi-lhe uma caneta, peguei num guardanapo (da mesa ao lado, porque queria que o meu futuro tesouro começasse bem, limpo), fiz das tripas coração e lá fui.

10 anos. No tempo em que os 10 anos eram mesmo 10 anos. Vermelha que nem um tomate. Aproximei-me da mesa onde estavam sentados e fui bem educada. No que presumo que fosse uma voz de menina disse "boa tarde", e sorri. Nada de volta. Nem um sorriso, nem um levantar de sobrancelhas, nenhum sinal de que me tivesse ouvido, não fosse estar a olhar para mim. Mais coragem, preciso de mais coragem. Eu reconheci-o, e sei que o senhor é um grande poeta, e gostava de lhe pedir que me desse o seu autógrafo. Pronto. Já está.
Estava certa de que o mais difícil já tinha passado. Que a coisa estava no papo.


E foi nessa altura que caiu o balde de água fria, fria e seca. Não dou autógrafos.
Assim. Sem mais nada. Voltou a cabeça para a frente e continuou a conversa que eu certamente tinha interrompido. Sem parecer sequer dar pela minha existência.

As lágrimas subiram-me aos olhos mas não chorei, (já era orgulhosa na altura). Olhei para o meu pai, à procura de resguardo, à procura de ser salva (na altura em que olhar para o meu pai ainda tinha esse significado). E recebi o resguardo. Um sorriso e um aceno, para me voltar a juntar a ele, na nossa mesa. Enquanto me aproximava, sem chorar, mas cheia de raiva, o meu pai ia dizendo para mim (e tendo em conta o volume da voz, era para o Sr. O'Neill também) - Sabes filha, às vezes as pessoas acham que são muito importantes, e é nessa altura que se vê que afinal, não valem nada. Pagámos e viemos embora.

E eu fui rejeitada pela primeira vez na minha vida, logo por um poeta.

Pode ser que o senhor estivesse em dia não, que os poetas também têm direito. Pode ser que o senhor tivesse acabado de ver rejeitado o seu pedido para sair do país, para ir atrás do amor, mas não, isso foi muitos anos antes. Será que foi isso que o amargou? Pode ser que o senhor tivesse acabado de receber uma notícia terrível.

Mas eu não sabia, e tinha 10 anos, e não tinha a culpa.

E por causa disso, nunca mais gostei de poesia, e nunca mais gostei do Sr. O'Neill

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