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Jonasnuts

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Uma questão de língua

Jonasnuts, 26.10.20

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Quando era miúda, receber uma carta, no correio, causava uma enorme excitação. Ainda tive, durante uns tempos, uns pen pals, que me ajudavam a limar o inglês e me davam uma luz sobre formas diferentes de estar na vida mas que me proporcionavam, acima de tudo, o excitex de receber snail mail.

Esta troca constituía uma conversa, através da escrita.

Fast forward para 1994 e o excitex era receber um mail. Tão pouca gente tinha endereço de mail, na altura, que receber um mail era uma excitação. olgajoao@telepac.pt, foi o meu primeiro mail. E através do mail, conversei com muita gente. 

As coisas aceleraram e, hoje dia, usamos muitas ferramentas para conversar através da escrita, e são cada vez mais rápidas, mais instantâneas, mais imediatas.

Uma conversa através da escrita não substitui uma conversa de viva voz, ou cara a cara, claro. Há camadas adicionais de dados que nos chegam através do que ouvimos e do que vemos, do que cheiramos, do que sentimos, e que a escrita, por rica que seja, não consegue providenciar com a mesma intensidade e riqueza. 

 

Mas, há vantagens numa conversa escrita. Para já, é muito menos intrusiva, e pode alongar-se mais no tempo, não é? Eu recebo qualquer coisa agora, mas neste momento não me dá jeito, que estou numa reunião, pelo que devolvo mais tarde - ou devolvo durante a reunião, mas, numa mensagem escrita posso fazê-lo, de viva voz era mais chato, que me interrompia a reunião. As mensagens são assim uma espécie de sexo tântrico....... duram, duram, duram. Às vezes dias, às vezes semanas, há conversas que duram meses. Presumo que até mesmo anos.

Há vantagens adicionais nas mensagens escritas. Fica o registo. 

Enquanto que numa conversa presencial ou de voz, apenas podemos contar com a nossa memória, numa conversa escrita fica o registo. É uma conversa à qual acedemos as vezes que quisermos, está sempre disponível.

É verdade que o som de uma voz bem colocada estremece, que um piscar de olhos abala, que um toque perturba, que um odor inebria (enfim, neste caso nem sempre pelos melhores motivos), mas não é menos verdade que a palavra certa no sítio certo pode agitar, a conjugação certa do verbo pode impressionar e uma metáfora bem sacada pode fazer tremer as pernas e pode abalar as entranhas. Que abala.

Com a vantagem de que são conversas a que podemos regressar. Podemos ler, e reler, e treler as conversas e ver se o efeito que nos provoca continua a ser o mesmo, ou se certas palavras perdem ou ganham impacto, à medida que o tempo passa. Encontramos novos significados, lemos nas entrelinhas, escrutinamos propósitos, arrepiamo-nos outra vez, ou pela primeira vez. Nada disto é possível, ao vivo e a cores ou de viva voz. Outros meios, outros ganhos.

Salvo raras exceções, um erro ortográfico é um turn off desgraçado, um erro de concordância um desastre do qual se recupera com dificuldade e uma má construção uma calamidade sem retorno. Sobretudo se sistemáticos.

Vantagem, portanto, para os que sabem escrever, para os poetas, para os curiosos, para os que experimentam, para os que não hesitam em usar a palavra certa no momento certo, sem medos, porque todas as palavras são para escrever, se ajudarem, lá está, a agitar, a impressionar, a fazer tremer as pernas e a abalar as entranhas.

Há muito tempo que digo que saber escrever é essencial. 

 

É uma questão de língua.

E, como sabemos, as questões de língua são sempre fundamentais.

Porque nos abalam as entranhas.

A música como auxiliar de memória (Alzheimer)

Jonasnuts, 18.08.16

Não é novidade já aqui falei disso (auto-link), embora para mim tenha chegado demasiado tarde.

 

Mas vem a propósito do filho que fez um vídeo com o pai e que se tornou, obviamente, viral.

 

O filho, Simon 'Mac' McDermott, vendo o pai a fugir, sem sair do sítio, encontrou a música. 

E nos momentos em que canta, o pai, Ted McDermott, regressa.

 

Quem tem (ou teve) familiares com Alzheimer, sabe que estes regressos são raros (e vão rareando cada vez mais, com a progressão da doença), pelo que qualquer ferramenta ou estratégia que proporcione esses momentos é de usar e abusar. Fica toda a gente a ganhar.

 

Podem saber mais sobre este pai e sobre este filho, aqui.

 

A música é uma ferramenta extraordinária, para a memória, e não é preciso que se tenha sido cantor, ou que se tenha trabalhado na indústria. Basta apenas que se tenha ouvido música. 

 

 

Gostava de ter sabido disto a tempo de ajudar a minha avó e, consequentemente, a minha mãe. 

 

Fica para a próxima.

Mnemónicas

Jonasnuts, 02.12.09

Como, presumo, toda a gente, uso mnemónicas. Pequenas coisas que me ajudam a catalogar tudo na minha base de dados mental. Pessoas, objectos, sítios, localizações, cheiros, enfim, tudo o que houver para escrever nesta base de dados de 2 neurónios (não se esqueçam, eu sou loira), tem uma forma muito própria de ser lida, quando é necessário.

 

Isto sem contar com as coisas que lá são escritas sem que eu dê por isso.

 

Tenho uma memória fabulosa. Mesmo. Uso-a bastante no meu dia-a-dia quer pessoal quer profissional.

 

Enquanto as consultas à base de dados são estruturadas, dentro do caos organizado que são os meus dias, em 99% das vezes, corre tudo bem. No entanto, se as consultas à base de dados são inesperadas, ou em contextos pouco habituais, já há mais espaço para que a coisa corra mal, e as mnemónicas não me sirvam de nada.

 

Esta prosa toda para quê? Para explicar que eu conheço muitas das pessoas que leio pela forma como escrevem, ou pelo avatar, ou pelo que o nick, graficamente, me recorda, e vê-las cara a cara nem sempre despoleta o mecanismo certo, o que pode resultar numa aparente imbecilidade (vá, eu gosto de pensar que é aparente).

 

Assim sendo, se durante o Codebits alguém vier ter comigo e disser "olá Jonas, eu sou fulano", e eu fizer um ar ligeiramente esgazeado e ausente, não atribuam a coisa à limitação intelectual, sejam uns queridos, e fiquem a pensar que eu tenho umas noitadas de trabalho em cima, ou que padeço de excesso de blogosfera (embora não ocorra nenhum dos casos).

 

Notem, não é preciso que não nos conheçamos pessoalmente. Já me aconteceu fazer reuniões com um primo, sem me aperceber (nem ele) que somos familiares (e familiares daqueles que passaram férias de Verão juntos).

Anne Frank

Jonasnuts, 03.10.09

Ora aí está um livro que toda a gente devia ler. O Diário de Anne Frank. Devia fazer parte do plano nacional de leitura. Devia ser obrigatório. Fosse em Língua Portuguesa fosse em História. Os miúdos deviam passar pela história. Para que ninguém se possa esquecer. A memória é importante, e os livros são uma parte importante da memória.

 

A 22 de Julho de 1941 as pessoas que viviam na casa ao lado da de Anne Frank casavam-se, e, coisa rara para a altura, filmaram a saída de casa. Anne Frank estava à janela, para ver a coisa, e foi filmada. É o único registo deste tipo que existe, de Anne Frank. Não seria nada de especial, não fosse o resto da História.

 

 

 

 

Para comprar o livro, é aqui.

 

 

Quando a memória nos trai, como educadores

Jonasnuts, 06.01.09

Tenho uma memória desgraçada. Lembro-me de coisas passadas há MUITOS anos. Lembro-me do meu bisavô Ernesto. Contava-me a história dos 3 porquinhos vezes sem conta, e era um homem muito alto. Não é através das fotos, nem das memórias da minha mãe que me lembro dele, porque, de acordo com a realidade, o meu bisavô Ernesto não era um homem alto, pelo contrário. Mas lá de baixo da altura dos meus 2 anos, parecia-me enorme. Não é uma memória fotográfica, é uma memória real. Todos os outros adultos adultos diminuíram de altura, à medida que eu fui crescendo, o meu bisavô Ernesto conservou-se gigante, na minha memória. O meu bisavô Ernesto morreu poucas semanas depois de eu ter feito 2 anos.

 

Isto tudo para explicar que tenho uma memória, mais do que desgraçada, filha da puta. Com tudo o que isso tem de bom, e com tudo o que isso tem de mau (que me seja conservada, é o que peço).

 

O meu puto tem 10 anos (curioso, lembro-me exactamente do que é que me atravessou o espírito no momento em que estava a soprar as velas do meu 10º aniversário, palavra por palavra). Anda no 5º ano (antigo primeiro ano do ciclo, o ano em que começava a ser a sério). Chegou ontem a avaliação do 1º período.

 

Ora, com uma memória como a minha, com que moral é que lhe repreendo a falta de atenção, a distracção, o ódio figadal à matemática, o desinteresse generalizado por tudo o que tenha a ver com a escola? Percebo agora os meus pais, tanto potencial, tão mal investido. Não é mau aluno (eu também não era má aluna), mas anda ali nos mínimos.

 

Não quero um filho só de 5, não é dele ser de 5, mas também não estava muito a fim de ter um puto a rondar os 3. Muitos 4, um ou outro 3, um ou outro 5, isso é que era. Mas acima de tudo, que gostasse daquela porra. Que se divertisse ou, pelo menos, que não fosse um frete tão grande.

 

Mas com que raio de moral lhe digo eu que a matemática é o máximo, que a escola é 5 estrelas, e que esta é uma das partes divertidas e fáceis, se eu me lembro demasiado bem de me sentir exactamente da mesma forma?

 

Sacana da memória. Esteve sempre a gritar-me "mentirosa, aldrabona", enquanto eu pregava ao meu filho acerca das vantagens, do divertimento e dos méritos da escola, dos professores da aprendizagem e da importância de ter boas notas.


(este corrector ortográfico é muito careta, puta e porra são considerados erros ortográficos).