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Jonasnuts

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Carneireira

Jonasnuts, 19.11.11

Eu sou carneireira. De acordo com todos os dicionários online que encontrei, quer isto dizer que sou dona de um rebanho, mas não é a isso que me refiro.

 

A minha avó era originária de São Pedro do Sul. Nas raras visitas que fiz à terra de origem da minha avó, as pessoas olhavam para mim e para a minha irmã e diziam: estas não enganam ninguém, vê-se logo que são carneireiras.

 

Queriam com isto dizer que, a contrário do que é habitual e Portugal, não somos morenas, de olhos castanhos e baixinhas. Quer eu quer a minha irmã somos altas (comparadas com a média portuguesa), loiras e de olhos claros (verdes, no nosso caso). Durante muito tempo procurei a razão de ser desta genética, injustificada, tendo em conta as ascendência, quer a directa, quer a menos directa. Nunca descobri. Eventualmente, podemos ir lá muito atrás, ao tempo das migrações das populações holandesas, que se deslocavam à Península Ibérica, para as colheitas, e que por cá tenha ficado (ou deixado filhos feitos).

 

Isto tudo a propósito duma entrevista que me fizeram esta manhã. Cedo, por razões que agora não interessam, eu estava na zona da Sé, ao pé do Castelo de São Jorge. Estava sentada na esplanada da cerca moura. Aproxima-se de mim uma moçoila, de microfone na mão, e um rapaz, de câmara ao ombro. Dirigem-se a mim em inglês. Good morning. Good morning, respondo com um sorriso. Estivemos uns bons 10 minutos à conversa, sobre a beleza de Portugal em geral e de Lisboa em particular, e sobre o que eu mais gosto em Portugal, em Lisboa, nos portugueses. E estavam deliciados, com as minhas respostas, pelo menos a julgar pelo sorriso e pelo entusiasmo com que as perguntas eram feitas. No final, para terminar, a última pergunta: Where are you from? I'm from Lisbon. Yes, but where do you live? In Lisbon. É portuguesa? Sou. Então porque é que não disse logo? Porque deve ter sido a única pergunta que não fizeram. Ficaram chateados, viraram costas a refilar, nem me deram tempo para perguntar de que órgão de comunicação social é que eram.

 

Eu percebo. Desde muito cedo que me habituei a que partissem do princípio de que eu seria tudo, menos portuguesa. Inglesa, alemã, holandesa, sueca.....

 

Eu percebo, mas não gosto.

 

Eu não sou estrangeira, eu sou carneireira.

O problema é que já não somos coitadinhos

Jonasnuts, 21.02.10

Esta história das veemência de opinião dos que dizem defender a família tem-me feito alguma confusão. Eu percebo que haja formas diferentes de pensar e de sentir as coisas, mas não compreendia a veemência e até o desespero com que muitas pessoas defendiam a exclusividade de direitos a uma certa casta, a deles, claro.

 

A resposta não me bateu de repente, foi uma coisa que foi crescendo, e que se passou comigo há uns anos. Eu explico.

 

Grávida de muitos meses mudei-me para a província. Fica a 40Km de Lisboa, mas é Portugal profundo na mesma. Ora, aquela malta, estava fartinha de conhecer mães solteiras (que era o meu caso). Não lhes fazia confusão nenhuma que eu estivesse grávida, sendo solteira, o que lhes fazia muita confusão, era eu não ser coitadinha. Mãe solteira sim, mãe solteira por opção já não percebiam. A minha opção tirava-lhes a oportunidade de poderem ter pena de mim, na sua superioridade moral. Não era a gravidez que lhes colidia com o sistema, era a opção.

 

Nesta história das "famílias a sério", eu acho que é isso que se passa. Foi retirada a esta gente a possibilidade de se sentirem superiormente morais, porque os outros, que antigamente eram coitadinhos, agora já não são e, heresia, até querem os mesmos direitos e deveres. Então, se querem os mesmos direitos e deveres, nós já não podemos ser superiores. Vai-se-nos o último reduto de superioridade, o moral (que o financeiro e o social já foram há muito tempo).

 

E é isto que lhes estamos a tirar, ao não sermos coitadinhos, ao não pedirmos desculpa por sermos mães solteiras, pais solteiros, com orientação sexual a, b ou c, estamos a tirar-lhes a possibilidade de se sentirem superiores, moralmente superiores. É o último bastião.

 

Daí a veemência. Coitaditos.

Amoreiras

Jonasnuts, 10.11.09

Há qualquer coisa de nostálgico no centro comercial das amoreiras. Pelo menos para mim. É assim como o centro comercial alvalade, mas menos decrépito. As amoreiras foram o primeiro grande centro comercial de Lisboa. E parava por lá meio mundo.

 

E por meio mundo entenda-se todo o mundo. Hoje em dia conseguimos mais ou menos identificar o público típico dos vários centros comerciais, e até varia em função da hora, mas as coisas estão mais segmentadas. Antigamente não estavam, ia tudo para as amoreiras.

 

Nesse tempo, eu não tinha putos, a minha irmã também não, e a minha mãe tinha-nos a nós, que já éramos crescidinhas. Um dos nossos passatempos, precisamente nas amoreiras, era abancar naqueles assentos cá de baixo (não me lembro de os ver por lá, ainda), e olhar para as pessoas que passavam.

 

Se fosse só olhar, ainda é como o outro, mas a verdade é que dissecávamos as pessoas. Todas as pessoas. Publicitárias a trabalhar no ramo, segmentávamos quem ia passando, ridicularizávamos tudo. Desde o andar, aos penteados, aos acessórios, às companhias, às compras, as roupas, aos sapatos, ao ar, à ausência de ar..... éramos brutalmente cruéis. Ninguém escapava. O que nos ríamos juntas dava um espectáculos por si só (quem nunca me ouviu ter um ataque de riso, não percebe). Na volta foi por causa disto que tiraram de lá os canteiros com banquinhos. Muitas vezes tínhamos de vir embora, porque não aguentávamos com as dores de barriga de tanto rir.

 

Hoje, uns anos mais tarde, 3 filhos e meio depois, já não fazemos um programinha destes há muitos anos. E é pena.

 

Pensando bem, é capaz de ser um programa interessante para o meu aniversário.

Temos é de levar cadeiras.