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Jonasnuts

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A sentença (3)

Jonasnuts, 26.05.12

A terceira parte da sentença.

 

28 - Em Março de 2011 a Requerente contratou 28 a 29 comerciais.

 

29 - Em Abril 2011 a Requerente contratou 28 a 29 comerciais.

 

30 - No mês de Maio de 2011 a Requerente contratou 28 a 29 comerciais.

 

31 - Em Junho de 2011 a Requerente contratou 17 a 20 comerciais.

 

32 - De Junho até ao presente o número de comerciais contratados pela Requerente tem tido altos e baixos, porém em números que concretamente não foi possível apurar.

 

33 - A Requerente ten um site em construção.

 

34 - A Requerente tem mantido a sua clientela e angariou mais um ou dois clientes novos.

 

 

A restante matéria factual vertida no requerimento inicial nao resultou provada, e no que à oposição concerne a defesa nela vertida configura-se como impugnação da constante no requerimeno inicial, sendo que este articulado versa essencialmente sobre questões de Direito.

Para a antecedente decisão quanto a matéria de facto - e tendo, naturalmente, presente que em sede cautelar basta a prova indiciaria - o Tribunal teve em conta a certidão da matrícula da Requerente (a fls, 74 ss,); a carta de 01/08/2011 dirigida pela Requerente ao Requerido (a fls. 76-90); os e-mails de potenciais candidatos a técnicos comerciais da Requerente desistindo das candidaturas, desmarcando entrevistas e dando a conhecer o post e respectivos comentários no blogue do Requerido (a fls. 91 a 114) e a impressão das páginas do motor de busca Google (a fls. 175 e a fls. 226) e, ainda, a impressão da página relativa ao website da Requerente ainda em desenvolvimento (a fis. 225).

Mais, o Tribunal analisou o post e os comentários postados no blogue do Requerido, que se encontram impressos no documento de fls. 115 a 174,
Os apontados documentos foram analisados conjugadamente com os depoimentos das testemunhas, sem perder de vista que a única testemunha da Requerente - embora comum ao Requerido - é funcionária desta, sendo porém de salientar que depôs de modo sereno e credível, tendo sido o seu depoimento que sustentou a resposta e a convicção do Tribunal relativamente aos aspectos atinentes à actividade comercial da Requerente, devendo assinalar-se que o seu depoimento foi omisso no que toca aos prejuízos patrimoniais alegados pela Requerente.
As (outras) testemunhas do Requerido, que pertencem ao mesmo movimento que este - "Precários Inflexíveis" - depuseram de modo claro e que se nos afigurou isento, porém, nada de substancial trouxeram aos autos, tendo-se extraído, com utilidade, dos seus depoimentos que o Requerido recebeu a carta enviada pelo Mandatário da Requerente e que, em reunião informal do movimento, foi decidido não retirar quaisquer comentários do blogue, aguardando por eventuai decisão judicial.

 Ao ponderar os depoimentos teve-se em conta a razão de ciência indicada pelas testemunhas e as regras da experiência.

Esta, em síntese, a fundamentação para a antecedente decisão quanto à matéria de facto.

 

 

"Ambição International Marketing, Lda", com sede na Rua dos Fanqueiros nº 277, 2º Esqº, em Lisboa, intentou (inicialmente junto dos Juízos Cíveis) o presente procedimento cautelar comum contra Rui Filipe Pedroso Maia, residente em Lisboa, requerendo providências cautelares não especificadas que se traduzem na retirada em 48 horas, pelo Requerido, de um conjunto de comentários que se encontram no blogue por ele administrado (e identificados em 34º e 51º do requerimento inicial), sob pena do disposto peio artº 391º CPC e sem prejuízo da aplicação de sanção pecuniária

compulsória à razão diária de € 500, bem como na imediata suspensão de todos os comentários que nesse blogue venham a ser feitos com referência à Requerente desde a prolação da decisão cautelar até ao trânsito em julgado da sentenrça que venha a ser proferida na acção principal.

 

Para tanto alega, em síntese, que em comentário a um post existente no blogue administrado pelo Requerido têm vindo a ser colocados comentários reportados à Requerente, que atentam contra o seu bom nome e afectam a sua imagem comercial, comentários esses que o Requerido ali tem mantido pese embora notificado por aquela para os retirar, o que lhe causou e causa prejuízos por não conseguir recrutar comerciais para consigo colaborarem.

 

Citado, o Requerido apresentou a oposição que se mostra a fls. 202 ss, na qual começa por sustentar o indeferimento liminar do procedimento cautelar, para depois arguir a sua ilegitimidade, defender que as providências solicitadas brigam com a liberdade de expressão e informação e, finalmente, concluir pela não verificação do fumus boni iuris e do periculum in mora, bem como pela inexistência dos alegados prejuízos.

Designado dia para a inquirição de testemunhas, procedeu-se a mesma com inteiro respeito pelas formalidades legais, como da respectiva acta se alcança.

0 Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. Não existem nulidades que invalidem todo o processado.

As partes sao dotadas de personalidade e capacidade judiciárias.

A  Requerente  é  parte  legítima  e o  Requerido  suscitou  a excepção  da ilegitimidade passiva que infra decidiremos.

Inexistem quaisquer nulidades de que cumpra conhecer. .

 

O incidente do valor da causa, de conhecimento oflcioso e obrigatório, foi já decidido pelo 7º Juízo Cível, ao qual a providência foi inicialmente distribuída, tendo-lhe sido fixado o valor de € 30.000,01 (cfr: fis. 181 ss.).

 

 

Após a produção de prova, o Tribunal decidiu a matéria de facto nos termos que se encontram supra e que, pela sua extensão, se dão por inteiramente reproduzidos.

 

DE DIREITO

 

As várias questões suscitadas pelo Requerido - com excepção da ilegitimidade - repercutem-se na apreciação do mérito e no juízo sobre a procedência do procedimento cautelar, pelo que as trataremos em conjunto com a própria pretensão da Requerente por uma questao de facilidade de exposição.

Já quato à ilegitimidade tratá-la-emos de imediao.

 

O Requerido defende verificar-se a sua ilegitimidade, em síntese, porque entende não poder ser responsabilizado pelo conteúdo de posts colocados por terceiros no site de que é administrador, com fundamento no DL nº 7/2004 (que certamente por lapso identiflca como Lei nº 7/2004), de 07/01.

 

Acontece, porém, que tal diploma não tem aplicação ao caso vertente.

Como do respectivo preâmbulo e do seu artº 1º se pode verificar, esse diploma destina-se fundamentalmente a realizar a transposição da Directiva nº 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, e por isso mesmo a contratação electrónica representa o tema central do diploma, o qual versa, regulando-o, o exercício de actividades económicas que utilizem ou se socorram da contratação electrónica, e acessória ou instrumentalmente regula as comunicações publicitárias prestadas à distância, por via electrónica, bem como o marketing directo que seja independente de intervenção do destinatário.

É neste contexto que o diploma se reporta aos prestadores intermediários de serviços em rede, os quais são definidos no artº 4º nº 5 como os que prestam serviços técnicos para o acesso, disponibilização e utilização de informações ou serviços em linha independentes da geração da própria informação ou serviço.

Tal diploma reporta-se, portanto, a uma realidade absolutamente diversa da que é desenvolvida nos blogues e pelos bloguistas, não tendo aplicação ao caso vertente.

De outra banda, no artº 61º da sua oposição, o Requerido refere ser"(...) muito controverso que os administradores de sites e prestadores de serviços possam retirar da rede algo que, de acordo com as regras do direito de propriedade, nao lhe pertencem".

Apesar de o Requerido não extrair, na verdade, qualquer consequência dessa sua afirmação, entendemos dever fazer-lhe uma referenda para dizer o seguinte:
Tendo em vista que o objecto em causa são comentários escritos, a alusão feita ao direito de propriedade apenas se poderá reportar ao direito de Propriedade Intelectual na vertente de Direito de Autor (já que a sua outra vetente - a Propriedade Industrial - se mostra claramente arredada).

Acontece, porém, que apenas merecem a tutela do Direito de Autor as obras de criação do espírito (encerrando esta expressão a síntese de todas as características da obra humana protegida) expressamente aludidas no Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, onde obviamente não encontram acolhimento os simples comentários, as opiniões, os desabafos, etc.

 

Posto o que antecede a legitimidade do Requerido, ou a ausência dela, há-de ser aferida à luz dos normativos vertidos no CPC.

 

 

Segundo o critério legal o réu será parte legítima se tiver interesse em contradizer, exprimindo-se este pelo prejuízo derivado da procedência da acção (art. 26º, 1 e 2 do CPC).

Por outro lado e consagrando a concepção que, de há muito, vinha sendo maioritariamene sufragada pela jurisprudência, com a reforma processual de 1995 estabeleceu-se que as partes só devem considerar-se ilegítimas quando, tomada a relação jurídica material controvertida tal como configurada pelo auor na petição inicial, elas não sejam os sujeitos desta (citado art. 26º, nº 3, na redacção introduzida pelo Dec-Lei nº 29-A/95, de 12/2).

No dizer de Miguel Teixeira de Sousa, "a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como o apresenta o autor" ("A Legitimidade Singular em Processo Declarativo", in BMJ nº 292, pag. 105).

Em conclusão, à legitimidade, tal como hoje a lei adjectiva a concebe, interessa saber que são os sujeitos da relação material controvertida, tal como o A. a configura.
Ora, in casu, a Requerente imputa ao Requerido uma conduta que entende ser lesiva do seu direito ao bom nome e imagem comercial: qual seja a de difundir, em razão de manter no seu blogue, os comentários difamatórios e, por conseguinte, violadores daquele direito da Requerente. Pelo que a legitimidade do Requerido deriva, desde logo, do facto de a Requerente lhe imputar directamente aquele comportamento violador dos seus direitos e daí o interesse directo daquele em contradizer.

 

 

O Requerido é, pois, parte legítima.

 

 

Vejamos agora que dizer quanto ao mérito da questão.

Da matéria supra dada por provada resulta evidente que a Requerente não logrou demonstrar quaisquer concretos prejuízos patrimoniais decorrentes da conduta imputada ao Requerido, como também daquela matéria não resulta o nexo de causalidade adequada entre essa conduta e a dificuldade de recrutamento que passou a vivenciar.

Na verdade, a este respeito apenas se pode estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a difusão dos comentários, atravás da sua manutenção no blogue administrado pelo Requerido, e o não recrutamento de alguns dos candidatos que contactaram a Requerente cancelando entrevistas e fazendo expressa menção ao blogue e aos comentários ali postados. E mesmo relativamente a estes dizemos "alguns", pois seria expectável que, relativamente a alguns, após as entrevistas ou a Requerente não os achasse aptos para a tarefa ou eles, mais esclarecidos sobre as condições de trabalho, não o aceitassem.

Contudo, a matéria supra dada por provada supra nos pontos 23 e 27 revela que os comentários postados no blogue administrado pelo Requerido e que este ali mantém fazem referência expressa à Requerente (cfr. ponto 22 e 27) associando-a a burla, fraude, engano, charlatanice, esturro, esquemas, mentiras, vergonha, trafulhice, oportunismo, armadilha, aldrabice, farsa e desonestidade, tratando-se de imputações que para o homem médio são ofensivos da imagem e credibilidade da pessoa a que se reportam, seja ela singular ou colectiva.

As pessoas colectivas - tal como as singulares - têm direito ao bom nome e credibilidade, direito esse que encontra tutela juscivilística no art0 484º CCivil, o qual dispõe que "quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados" e, assinale-se, o preceito refere-se não só ao autor da afirmação como também ao autor da difusão do facto lesivo.

É indiscutível que ao manter os comentários no blogue por si administrado, sobre o qual tem os direitos/deveres conferidos a qualquer administrador de site de aferir os conteúdos postados, comentários esses capazes de prejudicar o crédito ou o bom nome da pessoa colectiva Requerente, o Requerido é autor da difusão dos mesmos, preenchendo assim a conduta típica geradora da responsabilidade civil.

No referido artº 484º do CCivil estão abrangidos não só os factos não verdadeiros, como tambem os factos verdadeiros que sejam dolosa ou negligentemente apresentados em condições desleais ou deformadoras. Por isso Antunes Varela (in "Das Obrigações em Geral" vol I, pp. 567-568) ensina que "pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro - contanto que seja susceptível, ponderadas as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigaçoes (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade".

Se bem entendemos a posição do Requerido, este parece querer defender a licitude da sua conduta, traduzida na manutenção de todos os comentários no blogue que administra, com fundamento na liberdade de expressão e informação.

Ora, se nenhumas dúvidas existem quanto à dignidade constitucional do princípio fundamental da liberdade de expressão e do direito de informação ("liberdade de informar", "de se informar" e "de ser informado"), também se perfila como não menos relevante o princiípio da salvaguarda do bom nome e reputaçãao individuals consagrado no atº 26º nº 1 da CRP.

 

 

 

A previsão do atº 484º do C. Civil encontra-se em sintonia com a do acabado de citar artº 26º, nº 1 da Constituição, bem como com a do artº 70º nº 1, do CCivil, sendo que o direito ao bom nome e reputação integra o núcleo fundamental dos direitos de personalidade.

Apesar das patentes dificuldades estruturais, os direitos de personalidade e a sua tutela vêm sendo alargados às pessoas colectivas, reconhecendo-se a estas bens de personalidade, como o direito ao bom nome e a honra.

Se a Constituição da República, no seu artº 37º, proclama amplamente o direito fundamental de liberdade de expressão e informação, cujo exercício não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura, do mesmo passo nela ocupa um lugar saliente a defesa dos direitos ao bom nome e reputação (cfr. citado artº 26º).

Aquele direito de informação e crítica não é  ilimitado, sendo que a mesma Constituição estabelece limites ao seu exercício (cfr. artº 37º nº 3 ).
O princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, implica que o direito a informar e a expressar a sua própria opinião esteja limitado pelo direito que as pessoas visadas pelo exercício daquele direito têm a ver respeitada a sua honra e consideração, e quando estes direitos entram em conflito há que resolvê-lo por aplicação do princípio da proporcionalidade, inerente ao disposto no atigo 335º do Código Civil.

Por isso e aqui chegados, tendo em vista que a pretensão de ver de imediato retirados/eliminados os comentaáios postados no blogue é manifestamente desproporcionada, tendo ademais em conta a provisoriedade do reconhecimento do direito e da corresponde decisão no âmbito do procedimento cautelar, deve, outrossim, ser determinada a suspensão ou ocultação dos comentários, com referências à Requerente capazes de prejudicar o seu crédito ou o seu bom nome, já existentes no blogue (e referidas supra em 23 e 27), bem como os que aí venham a ser postados,

competindo ao Requerido, como e apodíctico, distinguir entre o que é ou não lícito ali manter tendo em vista tudo quanto antecede.

No que toca à requerida sanção pecuniária compulsória, tendo em conta que o blogue em causa não tem interesses comerciais, mas tão só de intervenção cívica, afigura-se-nos manifestamente excesso o valor peticionado, o qual se entende razoável fixar em € 50 por cada dia de atraso no cumprimento desta decisão.

 

DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide deferir o presente procedimento cautelar e, em consequência, decreta a seguinte providência cautelar:

O Requerido deve, em dez dias, suspender ou ocultar os comentários, com referências à Requerente capazes de prejudicar o seu crédito ou o seu bom nome, já existentes no blogue (cfr. supra em pontos 23 e 27), bem como os que aí venham a ser postados, sob pena do disposo pelo artº 391º CPC, bem como da aplicação da sanção pecuniária compulsória de € 50 por cada dia de atraso no cumprimento desta decisão.

 

 

Custas pelo Requerido, sem prejuízo do apoio judiciário.

 

 

Lisboa, DS


A primeira parte da sentença, a segunda parte da sentença.

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