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Jonasnuts

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Lei da cópia privada

Jonasnuts, 05.01.12

Tenho, ao longo do dia, dedicado alguma atenção a este tema.

 

Vamos por partes.

 

Há uma lei, de 1998, que diz que "no preço de venda ao público de todos e quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, electrónicos ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras e, bem assim, de todos e quaisquer suportes materiais virgens analógicos das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se incluir-se-á uma quantia destinada a beneficiar os actores, os artistas intérpretes ou executantes, os editores, os produtores fonográficos e os videográficos." (Artigo 2º, Lei nº 62/98, 1 de Setembro).

 

A remuneração fixada por esta lei de 98, era de 3%.

 

Portanto....... desde 1998 que sempre que compramos alguns suportes que permitam a fixação e reprodução de obras, estamos a pagar para essa entidade mal definida que parece integrar tanta gente, de tão diferentes quadrantes, "os criadores".

 

Aliás, os destinatários destas verbas são: " As entidades legalmente existentes que representam os autores, os artistas intérpretes ou executantes,
os editores, os produtores fonográficos e os videográficos criarão uma pessoa colectiva, sem fins lucrativos, de natureza associativa ou cooperativa, que tem por objecto a cobrança e gestão das quantias previstas na presente lei.".

 

Estes suportes, na lei 62/98 não incluíam "programas de computador nem às bases de dados constituídas por meios informáticos, bem como aos equipamentos de fixação e reprodução digitais e correspondentes suportes."

Portanto a versão original, não incluía discos rígidos ou placas de som.

 

Ora, eu nada tenho contra a remuneração das pessoas pelo seu trabalho, muito pelo contrário, tenho tudo a favor, e evidentemente, os artistas não são excepção a esta regra. Portanto, que fique claro, que eu, enquanto consumidora, sou toda a favor da remuneração do trabalho artístico que venha a consumir. Não sou a favor de remunerar trabalho artístico, em regime de pré-pagamento, que, talvez, um dia, quem sabe, eu venha a consumir, mas que, pelo sim pelo não, passa para cá o guito e mais nada.

 

Mas não percebo, porque é que em 1998 (e depois na revisão de 2004 - que transpôs algumas directivas comunitárias e agora nesta proposta do PS) decidiram que as coisas estavam todas ligadas. 

 

Esta é a minha grande dificuldade.

 

Os legisladores partem do princípio de que eu, ao comprar um destes suportes, vou OBRIGATORIAMENTE usar o suporte para fixar e reproduzir obras protegidas por direito de autor. E como não têm forma de confirmar se eu vou ou não fazê-lo, pelo sim pelo não, cobram a taxa. É uma taxa, just in case. É uma lei paga o justo pelo eventual pecador.

 

Pensar-se-ia que, com a evolução dos tempos, os legisladores chegassem à conclusão de que se tratava duma ideia palerma, sobretudo porque o conceito de autor está hoje muitíssimo mais alargado, e o conceito de obra é extraordinariamente subjectivo, e mesmo o direito de autor não é universal, cabendo a cada autor definir com que tipo de direitos quer difundir a sua obra, por exemplo, o Creative Commons não é, sequer, considerado neste projecto de lei. Já para não falar das obras que estão já no domínio público.

 

Mas não, em vez de evoluírem, os legisladores (e as indústrias satélite, já agora) pararam no tempo. Pararam eles, e querem obrigar-nos a parar também a nós ali pela década de 90.

 

Senhores legisladores e senhores dos poderes instituídos e autores e artistas e todos os interessados (e eu faço parte duma das partes interessadas, o público - remember? Sem público não há artistas), sentem-se a uma mesa, debatam formas justas de verem o vosso trabalho remunerado, de preferência, formas que não sejam sustentadas por um modelo de negócio completamente obsoleto e que querem à força de leis injustas, manter em vigor, porque vos dá jeito, porque não querem (não quiseram) aprender a evoluir.

 

Não usem argumentos falaciosos de que a indústria está a morrer, porque não está, muito pelo contrário. Não tentem atirar-nos areia para os olhos, e não tentem misturar o que não pode ser misturado. Sobretudo, não façam propostas de lei, nem leis, que apenas protegem os interesses de uma pequena parcela da população, sobretudo quando isso significa que estão a prejudicar o resto da população, que não só não vê os seus direitos protegidos, como é prejudicada.

 

Farei tudo o que estiver ao meu alcance para contrariar a aprovação deste projecto de lei, e farei tudo o que estiver ao meu alcance para que a lei 62/98 seja revogada. Não é pelos valores, não é pela impossibilidade técnica, não é pela inviabilidade, é mesmo pela injustiça da premissa original.

 

Prefiro SEMPRE a legalidade e tudo farei para a respeitar, mas não hesitarei em tornar-me criminosa à luz da lei, se se trata duma lei injusta, que viola os direitos de muitos, pelos privilégios de uns poucos.

 

Amanhã é debatido o tema, e o que vai ser debatido amanhã não é a premissa. É o agravamento, a amplificação do problema. Aparentemente, todos os partidos estão de acordo com a essência da proposta do PS, discordam apenas em detalhes e pormenores.

 

Se a proposta for aprovada, o que é que muda, para nós, que somos o mexilhão da coisa?

 

Vamos aos valores:

 

Diz o a lei original: DL: "3 — A remuneração a incluir no preço de venda ao público dos aparelhos de fixação e reprodução de obras e prestações é igual a 3 % do preço de venda estabelecido pelos respectivos fabricantes e importadores"

 

De acordo com as contas da Exame Informática, esta iniciativa do PS propõe "a aplicação de uma taxa de dois cêntimos de euros a cada GigaByte (GB) disponibilizado num disco rígido. Caso seja aprovada a proposta de lei, o custo de compra de um disco rígido de 1TB (ou seja, de 1024 GB) passa a estar sujeito a uma taxa de 20,48 euros. O que significa que um disco rígido de 1TB que hoje tenha um custo médio de 70 euros passará a ser vendido a 91,48 euros."

 

Isto significa que, de 3%, vamos, para muitos suportes que vão passar a ser taxados,  saltar para os 30%

 

Vamos às compras:

Um SD Card básico de 4GB que custa 10 euros, passa a custar 10 + 4*0,02 = 10,08 euros.
Logo, acréscimo apenas de 0,8 %

Um SD Card de 8GB que custa 17 euros passa a custar 17,16 euros apenas
Logo um acréscimo de 0.9 %

Um disco externo de 2TB que custa 139,90 passa a custar + 40,96 euros
Logo, um acréscimo de 29.2 %

 

 

É fazer as contas, como dizia o senhor que governava o país, no tempo em que a lei original foi aprovada. Em tudo o que tenha discos, ou qualquer forma de "fixação" e reprodução de conteúdos (sejam lá eles de quem forem, até os meus próprios conteúdos, ou conteúdos que já não estão sob a alçada do direito de autor por serem de domínio público) acrescente-se  2 cêntimos, por cada GigaByte. A partir do TB, a taxa chega aos 30%

 

 

Querem, não só amplificar o estrago da Lei original, que tem por base uma premissa errada, como querem aumentar dramaticamente, a quantidade de €€€€ que nos obrigam a pagar indevidamente. (E não esquecer que, aparentemente, o PSD acha que os valores propostos pelo PS são demasiado baixos)

 

É uma proposta sem pés nem cabeça (e não endereço aqui as questões técnicas, porque tornava isto ainda mais denso e chato), e preocupa-me que a coisa vá passar, por ser debatida por pessoas que têm como objectivo tudo e um par de botas, menos o que deveriam ter, que é a protecção dos direitos da grande maioria das pessoas......sabem.....aqueles gajos...... os eleitores.

 

 

ADENDA: Não resisto a linkar um post que se debruça, sem cair, num dos tais detalhes técnicos que não quis abordar aqui, e que faz umas contas...... divertidas. Vale muito a pena.

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